quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Somos donos dos nossos atos
mas não donos dos nossos sentimentos.
Somos culpados pelo que fazemos
mas não pelo que sentimos.
Podemos prometer atos,
mas não podemos prometer sentimentos.
Atos são pássaros engaiolados.
Sentimentos são pássaros em voo.
Rubem Alves

quarta-feira, 30 de outubro de 2019


Comunicação não violenta nas escolas
Matheus*, de 4 anos, estava correndo alegremente atrás da galinha, que fica solta nos pátios de uma escola de educação infantil. Porém, bastou a professora ver a cena para, aos gritos, exigir que o menino parasse a brincadeira. Em seguida, ela perguntou se ele era surdo e o ameaçou: “se eu falar mais uma vez, você vai ficar sentado, sozinho”.  
O caso aconteceu em uma unidade escolar de Americana, interior de São Paulo, mas, certamente você deve se lembrar de ter ouvido frases similares em algum contexto escolar. Apesar de comuns, são afirmações ditas, muitas vezes, sem refletir sobre a violência que está por trás de cada palavra.
Porém, engana-se quem pensa que são apenas as agressões físicas que deixam marcas na vida de uma criança ou jovem. Especialistas afirmam que a maneira como os alunos são tratados na escola refletem no adulto que elas se tornarão.
Sendo assim, a busca para possibilitar diálogos mais positivos dentro das salas de aula torna-se cada vez mais necessária. E, um dos caminhos, é a prática da Comunicação Não Violenta (CNV). Criada pelo americano Marshall Rosenberg, trata-se de uma maneira clara e empática para dialogar, sem culpar, julgar, ameaçar ou ridicularizar a outra pessoa.
“A Comunicação Não Violenta é uma nova forma de se comunicar consigo mesmo e com o outro. Alguns a definem como um método, mas eu acredito que é algo muito mais profundo. Nela, nós nos conectamos com a nossa humanidade, nossos sentimentos e necessidades, para depois nos conectarmos com o outro, fazendo florescer a nossa compaixão natural”, explica a escritora e consultora em educação não violenta Elisama Santos.
Com o objetivo de melhorar os relacionamentos, a CNV mantém o foco na resolução dos conflitos.
 A diferença entre comunicação não violenta e permissividade
Quando se fala sobre Comunicação Não Violenta, uma das maiores dúvidas é como não confundi-la como permissividade. Porém, se você também acredita que os dois conceitos são uma linha tênue, saiba que existe uma grande diferença. Afinal, a permissividade é o oposto do que prega a CNV.   
“Se me conecto com o que sinto e preciso, assumo a responsabilidade do que acontece ao meu redor e defendo, com firmeza e empatia, o que acredito. Apresento os meus limites, por acreditar que é importante que o outro os conheça e respeite. No que tange à educação, ao sermos permissivos, não nos conectamos com o que a criança sente e precisa, abrimos mão do cuidado com as suas reais necessidades”, afirma a consultora Elisama Santos.
Como exemplo, ela cita que, na educação tradicional, se uma criança ou jovem sentir raiva e falar de maneira grosseira com os professores seu comportamento deverá ser reprimido. Já na permissividade, os educadores se furtariam do dever de orientar para uma postura adequada, justificando, muitas vezes, que é apenas uma criança ou um jovem, que vai passar ou que não é de sua responsabilidade.
“Em ambos os casos, a necessidade de ser orientada com clareza e gentileza, se preparando para relacionar-se com outras pessoas no futuro, não está sendo atendida. Sob a luz da não violência, acolhemos o sentimento que gerou o mau comportamento, e redirecionamos o comportamento: ‘Entendo que esteja chateado, vou te ouvir assim que você falar de outra forma’. Essa é uma forma de abordagem. Assim, nem somos agressivos, nem somos permissivos. Entre o oito e o 80, existem 72 opções”, destaca.
Qual a importância da CNV no contexto escolar?
Quando corpo docente e funcionários iniciam a prática da Comunicação Não Violenta, respostas automáticas são repensadas. A partir dessa reflexão, as crianças e adolescentes passam a ter a possibilidade de se tornarem adultos mais conscientes sobre as formas de se relacionar, além de terem mais autoconfiança.
“Vivemos em uma sociedade onde a violência invisível toma conta dos nossos relacionamentos sem que a gente perceba. Ameaças veladas, punições disfarçadas, recompensas camufladas, nos fazem passar uma vida dependendo da opinião do outro para validarmos o que é importante para nós mesmos. Infelizmente, nem percebemos isso, ameaçamos nossos filhos e alunos com a possibilidade de não serem bem quistos por nós quando dizemos por exemplo: ‘que coisa feia, ninguém gosta de criança que bate’. A criança ou o jovem percebe o mundo de um jeito muito diferente do nosso, e a medida que escutam constantemente frases intimidadoras (que dizemos sem perceber) vão criando suas imagens de si mesmos e construindo crenças limitantes que levarão para a vida adulta”, pontua a psicóloga Joana Simielli, que é especialista em psicologia clínica com aprimoramento profissional em Ludoterapia e Educadora Parental.
Além de trazer benefícios aos estudantes, a CNV também auxilia na comunicação interna da escola e, como consequência, reflete na comunicação entre pais, mães e filhos. “Ambientes em que a conversa é estimulada e nutrida tendem a ser mais pacíficos e equilibrados. Estabelecer uma linguagem mais conectada com a nossa humanidade e a do outro transforma as relações e ambientes e certamente reverbera nas relações com todos ao nosso redor, inclusive do aluno com o seu pai”, afirma.
 Tanto no espaço educacional quanto ao lado da família, a profissional afirma que as crianças precisam de ambientes onde exista espaço para expor sua opinião.
Elas precisam de ambientes onde erros são vistos como possibilidades de aprendizagem, e não como sentenças do certo ou errado, onde suas emoções e necessidades são vistas e consideradas pelos adultos que a cercam, onde a cooperação seja estimulada ao invés de competição. Com essas e muitas outras mudanças, essas crianças se tornarão adultos mais flexíveis, abertos, disponíveis, com grande confiança em si mesmos e consequentemente, com muita capacidade de trabalhar e guiar pessoas pelo caminho”, destaca.
Para a administradora e coach em empreendedorismo Karina Fontes Soares, a prática de diálogos positivos na infância é fundamental para a formação líderes. “Uma criança motivada a resolver conflitos através do diálogo, terá este hábito em sua essência. Na fase adulta, terá grandes chances de ser um intermediador de conflitos, aumentando assim as chances de exercer cargos de liderança e confiança, visto que o perfil ‘pacificador’ é o mais procurado pelas empresas para exercerem estes cargos”, enfatiza.
Como estimular a Comunicação Não Violenta na sala de aula
De acordo com Educadora Parental Joana Simielli, a primeira mudança de comportamento precisa partir do educador.
“Quando o educador muda a forma de falar, não rotulando os comportamentos, incentivando a busca por soluções coletivamente, escutando os alunos com empatia e atenção, acaba por incentivar que eles façam o mesmo com ele e com os demais colegas”, explica.
A coach Karina Fontes Soares ressalta ainda que a falha de comunicação gera falta de produtividade e desmotivação. “Tive um professor que me fazia sentir um zero à esquerda. Quanto mais ele falava, menos eu entendia. Certa vez, conversando com os colegas da classe, percebi que não acontecia apenas comigo. Decidi trocar o dia daquela matéria, pois assim trocaria o professor. Nossa, foi libertador! Com o novo professor, conseguia entender tudo com clareza e acabei me apaixonando pela matéria”, lembra. “Muitos líderes fracassam por não saberem comunicar-se com clareza e eficácia”, completa.
 Como você pôde ver, a comunicação não violenta como um todo é de extrema importância para uma escola, desde a comunicação dos professores com as crianças, até dos diretores e coordenadores com os
 *O nome é fictício, utilizado para preservar a identidade da crianças

 Permissividade X Comunicação Não Violenta
  
Como diretores de escola podem se relacionar melhor com professores?
3 min de leitura
Diretores de escola possuem diversas responsabilidades. Administrar, zelar pela qualidade pedagógica e de gestão são algumas para que a relação com a comunidade seja mais saudável.
Dos pontos-chave para o desenvolvimento de suas funções, manter bom relacionamento com professores se destaca. Pois esses podem contribuir para facilitar e otimizar as ações promovidas pelo diretor.
Mas como diretores podem se relacionar melhor com os docentes? Qual a importância do envolvimento na vivência em sala de aula? Este é o assunto do nosso post de hoje. Confira!
 Trabalhe em equipe em prol do sucesso institucional
Sua relação com o professor não precisa e nem deve ser vertical. É extremamente importante que ambos consigam desenvolver trabalho em equipe. O que inclui respeitar as limitações de cada função para contribuir para o crescimento sólido e gradativo da instituição.
Para isso, é imprescindível que você desenvolva competências gerenciais diversas. Dentre elas, implemente rotinas motivadoras, disciplinadas e que transpareçam bons resultados e desafios, de forma harmoniosa e saudável.
 Seja um gestor inspirador
Você deve apresentar habilidades gerenciais que passem confiança e inspirem a equipe escolar. Por isso, tenha boa visão democrática e seja um bom mediador de conflitos.
Parte inferior do formulário
Demonstre que gosta do contato com os outros, das relações interpessoais e esteja aberto aos desafios. Precisa, sobretudo, demonstrar prazer em desenvolver seu ofício.
  Realize reuniões periodicamente
As reuniões formais surgem como ótimas aliadas ao desenvolvimento institucional. Nas escolas, os encontros periódicos entre professores, diretores e coordenadores pedagógicos são muito eficientes.
Representam momentos de pontuar as necessidades e falhas de cada área. O que permite a definição de estratégias pedagógicas e o acompanhamento das medidas paliativas e corretivas.
Ambas são igualmente importantes, pois possibilitam conhecer diferentes pontos de vista, viabilizando a integração de toda a equipe pedagógica.
 Invista em comunicação
Embora as atribuições sejam um pouco diferentes, você não deixa de ser um educador. E como todo educador, precisa demonstrar as melhores maneiras de aprender.
Dentre as mais importantes está a partilha de informações. Os melhores, mais eficientes e significativos aprendizados surgem nos grandes debates acadêmicos. Pois muitas vezes precisamos da visão do outro para integrar pensamentos e definir estratégias mais coesas e fortalecidas.
  Por isso, incentive a comunicação e represente fielmente o modelo de comunicador.
Felizmente, existem tecnologias que podem ajudar os diretores de escola. Atualmente, aplicativos de comunicação escolar são uma excelente ferramenta educacional. Podem inclusive substituir a agenda escolar, conectando escolas, professores, pais e alunos de forma simples e eficiente.
 Mantenha contato com a sala de aula
É extremante importante que você tenha contato com a rotina em sala de aula. Só será possível ter mais visão dos problemas na educação ao se envolver na rotina dos professores em classe.
Esse contato periódico contribuirá para que você tenha um olhar mais atento. Acompanhe pessoalmente as condições de aprendizagem, os fatores que atrapalham ou beneficiam o processo educacional. Além disso, esse contato possibilita observar táticas de ensino dos docentes e a forma como são recebidas pelos alunos.


Comunicação não Violenta

comunicação não violenta

Em um mundo violento, cheio de preconceitos e mal entendidos, busca-se ansiosamente por soluções. Precisamos criar relacionamentos interpessoais baseados em respeito mútuo, compaixão, e cooperação.
Marshall Rosenberg, usou sua experiência como psicólogo e criou o método da comunicação não violenta (CNV) ou compassiva, uma ferramenta eficiente para capacitar aqueles que visam se autoeducar para restabelecer a confiança mútua entre pessoas, instituições, povos e nações. Embora possamos não considerar “violenta" a maneira de falarmos, nossas palavras não raro induzem à mágoa e à dor, seja para os outros, seja para nós mesmos.
“Classificar e julgar as pessoas estimula a violência.”
“Comparações são uma forma de julgamento”
“As pessoas devem se contentar com o que recebem e não ser demasiado gananciosas – uma lição fundamental no modo de vida não – violento.”
“Há menos violência em culturas nas quais as pessoas pensam em termos das necessidades humanas.”
“A menos que nos tornemos a mudança que desejamos ver acontecer no mundo, nenhuma mudança jamais acontecerá. Infelizmente, estamos todos esperando que os outros mudem primeiro" (Arun Gandhi)
A não violência não é uma estratégia que se possa utilizar hoje e descartar amanhã, nem é algo que nos torne dóceis ou facilmente influenciáveis. Trata-se, isto sim, de ter atitudes positivas em lugar das atitudes negativas que nos dominam.
Tudo que fazemos é condicionado por motivações egoístas (“Que vantagem eu levo nisso?”). Essa constatação se revela ainda mais verdadeira numa sociedade esmagadoramente materialista, que prospera com base num duro individualismo. Nenhum desses conceitos negativos leva à construção de uma família, comunidade, sociedade ou nação homogênea.
Quando combinamos observação com avaliação, as pessoas tendem a receber isso como crítica. E gera resistência ao que dizemos. Veja uma distinção entre observação e avaliação:
  • “Zequinha não marcou nenhum gol em vinte partidas” (Observação)
  • “Zequinha é péssimo jogador de futebol” (Avaliação)
Aprendemos a ficar sempre imaginando: “O que será que os outros acham que é certo dizer e fazer?

Expressar nossa vulnerabilidade pode ajudar a resolver conflitos

Em um curso para um grupo de estudantes de áreas decadentes, os alunos não estavam prestando atenção e o desconforto se instalou. Até que um dos estudantes diz: “Você odeia estar com negros, não?"
“Eu estou me sentindo nervoso”, admiti, “mas não porque vocês sejam negros. Meus sentimentos têm a ver com não conhecer ninguém aqui e desejar ter sido aceito quando entrei nesta sala”. Essa expressão de minha vulnerabilidade teve um efeito acentuado nos alunos. Eles começaram a perguntar sobre mim, a contar coisas sobre eles mesmos e a expressar curiosidade sobre a comunicação não violenta.
Quando recebemos mensagens negativas temos quatro opções:
  1. Culpar a nós mesmos.
  2. Culpar os outros.
  3. Escutar nossos próprios sentimentos e necessidades.
  4. Escutar os sentimentos e necessidades dos outros.

Quanto mais as pessoas ouvirem exigências, menos elas gostarão de estar perto de nós

A empatia está em nossa capacidade de estarmos presentes, esvaziamos nossa mente e ouvimos com todo o nosso ser.
Quando sinto que fui ouvido e escutado, consigo perceber meu mundo de uma maneira nova e ir em frente. É espantoso como problemas que parecem insolúveis se tornam solúveis quando alguém escuta.
Os estudantes se abriram cada vez mais e nos contaram a respeito de vários problemas pessoais que estavam interferindo em seus estudos. Quanto mais eles falavam a respeito disso, mais trabalhos eles conseguiam terminar.

Preste atenção às necessidades dos outros, e não ao que eles estão pensando de você.

Você achará as pessoas menos ameaçadoras se escutar o que elas precisam, e não o que elas estão pensando a seu respeito.
Use a paráfrase “usar suas próprias palavras para explicar o que entendeu" para alinhar o que você entendeu sobre o que a pessoa falou. Essa prática irá poupar o seu tempo.
Se o modo como nós avaliamos nos faz sentir vergonha, e em consequência disso, mudamos nosso comportamento, estaremos permitindo que nosso crescimento e aprendizado sejam guiados pelo ódio por nós mesmos. A vergonha é uma forma de ódio por si próprio, e as atitudes tomadas em reação à vergonha não são livres e cheias de alegria.
Mesmo que nossa intenção seja de nos comportarmos com mais gentileza e sensibilidade, se as pessoas sentirem a vergonha ou a culpa por trás de nossas ações, será menos provável que elas apreciem o que fazemos do que se formos motivados puramente pelo desejo humano de mudar a vida.

O verbo dever é uma palavra violenta

“Eu deveria saber" … “Eu deveria ter feito aquilo".
Na maioria das vezes em que usamos esse verbo com nós mesmos, resistimos ao aprendizado, porque “dever" implica que não há escolha.
Seres humanos, ao ouvirem qualquer tipo de exigência, tendem a resistir, porque ela ameaça nossa autonomia e nossa forte necessidade de termos escolhas.
Seres humanos não foram feitos para serem escravos.
Use a frase: eu escolho fazer
O comportamento mais perigoso de todos pode consistir em fazer as coisas porque esperam que façamos.
Se o desempenho de um trabalhador é guiado pelo medo da punição, o serviço é feito, mas a moral é afetado. Mais cedo ou mais tarde, a produtividade diminuirá.

Concentre-se no que deseja, não no que deu errado

Quando usamos a CNV para expressar apreciação, é puramente para celebrar, não para obter algo em troca. Nossa única intenção é celebrar como nossa vida foi enriquecida pelos outros.
Quando nos libertamos de nosso medo, nossa presença automaticamente liberta os outros.
Que tipo de elogio alguém poderia expressar para fazê-lo pular de alegria?
Para quem se interessou pelo livro Comunicação Não Violenta de Marshall B. Rosenberg, segue o link para baixar: https://goo.gl/uniy76
Por Zhang Yi Ling, estatístico e voluntário do Instituto CEO do Futuro.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A casa que educa


As lições que se aprendem “construindo”

amyr klink
Amyr Klink disse que as crianças aprendem “construindo” uma casa (Crédito: Shutterstock)
Escrevo para vocês, crianças! O Amyr Klink é um navegador. Navega num barco a vela. Vela é uma armadilha para pegar o vento. O vento tem força. Os barcos a vela navegam movidos pela força do vento. O vento vem, bate nas velas e empurra o barco. Mas, o que fazer quando o navegador quer ir para o sul e o vento sopra para o norte? Peça a um professor para lhe explicar isto. Antes das velas era preciso remar para o barco navegar. Dava muita canseira. Mas aí um dos nossos antepassados descobriu que o vento faria o serviço dos remos e o homem poderia fazer outras coisas…
Toda a nossa história passada, desde os tempos das cavernas, é a história dos homens aprendendo a fazer a natureza fazer o trabalho por eles. Os moinhos de vento, os moinhos de água, o arco e a flecha, as alavancas, os monjolos, o fogo… O Amyr Klink não é só navegador. Ele pensa sobre as escolas. Perguntaram ao Amyr Klink: “Qual é a escola que você desejaria para os seus filhos?”. Ele respondeu: “Uma escola que há na Ilha Faroe, entre a Inglaterra e a Islândia. Lá as crianças aprendem tudo o que devem aprender  construindo uma casa viking…” Quem eram os vikings? Eram navegantes ousados. Há uma aventura do Asterix e do Obelix, heróis gauleses, entre os vikings. Muito divertida!
O Amyr Klink disse que as crianças aprendem “construindo” uma casa. Concordo. Para aprender uma coisa é preciso fazê-la. As crianças da ilha Faroe aprendiam o que precisavam saber para viver construindo uma casa! Mas não será muito difícil construir uma casa? É difícil. Mas há um truque: a gente pode “imaginar” a casa que a gente quer construir. Tudo o que a gente faz começa na imaginação: um quadro, um avião. Santos Dummont imaginou o 14-Bis antes de construí-lo. Uma viagem, uma técnica cirúrgica, um foguete, uma música, um livro… –  tudo começa na imaginação. Quando vou fazer um papagaio, a primeira coisa é imaginá-lo na minha cabeça: o seu tipo (há papagaios do tamanho de uma casa!), as suas cores, as ferramentas de que vou precisar e os materiais que vou usar: tesoura, canivete, serra, linha, cola, papel… O mesmo vale para uma casa. A primeira coisa é imaginar a casa, como se estivesse pronta. O Oscar Niemeyer, que planejou os edifícios fantásticos de Brasília, a primeira coisa que faz é “desenhar” no papel o edifício que ele vê com os olhos da imaginação. Imagine a casa que você gostaria de construir. Terá um ou dois andares? As telhas serão vermelhas? E a paredes? De que cor serão? Terá uma chaminé para um fogão de lenha ou uma lareira? Terá um jardim na frente? Para que lado estará virada? Na sua cidade, qual é a direção do sul? E do oeste? Onde nasce o sol? Onde se põe? Mas o sol se põe? Esses são os pontos cardeais. É importante saber onde estão os pontos cardeais por causa da luz do sol. Aí é preciso desenhar essa casa no papel, para que os pedreiros e carpinteiros saibam como a imaginei. O desenho torna a imaginação visível. Quem faz esse desenho é o arquiteto. Aí será preciso fazer uma lista dos materiais que você terá de usar para construir sua  casa.  Começando com tijolo, cimento, areia, e sem se esquecer dos pregos. Não se esqueça do dinheiro, sem o qual não se compra nada. Seu pai e sua mãe terão prazer em ajudá-lo.

Sonho com uma escola em que se cultivem pelo menos três coisas.

Primeiro, a sabedoria de viver juntos: o olhar manso, a paciência de ouvir, o prazer em cooperar. A sabedoria de viver juntos é a base de tudo o mais.
Crédito: Shutterstock
Segundo, a arte de pensar, porque é a partir dela que se constroem todos os saberes. Pensar é saber o que fazer com as informações. Informação sem pensamento é coisa morta. A arte de pensar tem a ver com um permanente espantar-se diante do assombro do mundo, fazer perguntas diante do desconhecido, não ter medo de errar, porque os saberes se encontram sempre depois de muitos erros.

Terceiro, o prazer de ler. Jamais o hábito da leitura, porque o hábito pertence ao mundo dos deveres, dos automatismos: cortar as unhas, escovar os dentes, rezar de noite. Não hábito, mas leitura amorosa. Na leitura amorosa entramos em mundos desconhecidos e isso nos faz mais ricos interiormente. Quem aprendeu a amar os livros tem a chave do conhecimento.
Mas essa escola não se constrói por meio de leis e parafernália tecnológica. De que vale uma cozinha dotada das panelas mais modernas se o cozinheiro não sabe cozinhar? É o cozinheiro que faz a comida boa mesmo em panela velha. O cozinheiro está para a comida boa da mesma forma como o educador está para o prazer de pensar e aprender. Sem o educador o sonho da escola não se realiza.
A questão crucial da educação, portanto, é a formação do educador. “Como educar os educadores?”
Imagine que você quer ensinar a voar. Na imaginação tudo é possível. Os mestres do voo são os pássaros. Aí você aprisiona um pássaro numa gaiola e pede que ele o ensine a voar. Pássaros engaiolados não podem ensinar o voo. Por mais que eles expliquem a teoria do voo, só ensinarão gaiolas.
Marshal McLuhan disse que a mensagem, aquilo que se comunica efetivamente, não é o seu conteúdo consciente, mas o pacote em que a mensagem é transmitida.  “O meio é a mensagem.” Se o meio para se aprender o voo dos pássaros é a gaiola, o que se aprende não é o voo, é a gaiola.
Tenho a suspeita, entretanto, que se pretende formar educadores em gaiolas idênticas àquelas que desejamos destruir.Aplicando-se essa metáfora à educação podemos dizer que a mensagem que educa não são os conteúdos curriculares, a teoria que se ensina nas aulas, educação libertária etc. A mensagem verdadeira, aquilo que se aprende, é o “embrulho” em que esses conteúdos curriculares são supostamente ensinados.
Os alunos se assentam em carteiras. Professores dão aulas. Os alunos anotam. Tudo de acordo com a “grade curricular”. “Grade” = “gaiola”. Essa expressão revela a qualidade do “espaço” educacional em que vivem os aprendizes de educador.
O tempo do pensamento também está submetido às grades do relógio. Toca a campainha. É hora de pensar “psicologia”. Toca a campainha. É hora de parar de pensar “psicologia”. É hora de pensar “método”…
Os futuros educadores fazem provas e escrevem papers pelos quais receberão notas que lhes permitirão tirar o diploma que atesta que eles aprenderam os saberes que fazem um educador.
Desejamos quebrar as gaiolas para que os aprendizes aprendam a arte do voo. Mas, para que isso aconteça, é preciso que as escolas que preparam educadores sejam a própria experiência do voo.

Novo Piso Salarial 2024

  A luta está em torná-lo  real no holerite dos profissionais