O pequeno mundo que se encontra ao nascer é o mesmo em qualquer parte;
ele apenas se amplia, caso se consiga ir embora em tempo de onde se deve sair,
fisicamente ou com a imaginação.

Nesse pequeno mundo que é o lar, se aprende o fundamental sobre a vida. Sem quadro negro, sem carteiras ou uniformes. Quase por osmose, sem que ninguém perceba como ou a que horas, entre rotinas e sobremesas, entre o que é dito e o que não é dito, as quatro paredes da casa são a primeira imagem do mundo. Os valores, as atitudes, os modos de ser, de sentir e de pensar, a maneira de olhar, têm suas raízes nessa primeira escola onde, felizmente, ainda não chegaram as inovações da tecnologia educacional.
É realmente uma sorte. Nas casas não se fala em objetivos, ou metodologias, também não se avaliam regularmente resultados, nem se fazem relatórios. Vive-se, apenas. E é nesse fluir da vida, sem planejamento, onde as pessoas crescem. A escola tem muito a invejar desse sistema pedagógico, onde tudo acontece de forma mais espontânea e mais real. Sem compartimentalizações, nem disciplinas separadas, sem horas atribuídas para esta ou aquela habilidade. Por isso, falar de leitura em casa é falar de muitas coisas ao mesmo tempo.
Em primeiro lugar, não parece muito apropriado esse novo rótulo tão na moda de “promoção da leitura” para o que é feito em casa. Não penso que nos lares se faça nenhum tipo de promoção. O termo, emprestado do jargão comercial, tem um viés quantitativo suspeito. Desde sempre existiram lares com pais, mães, avós, tios ou mães de leite que semearam nas crianças o amor pelas histórias e pelos livros. Duvido que eles o tenham feito de propósito, seguindo objetivos predeterminados… O mais provável é que só quisessem passar um bom tempo, ou domar as pequenas feras que costumam ser as crianças, para que ficassem quietas alguns minutos. As duas intenções são, em si, maravilhosas. Porque desfrutar simplesmente do prazer de uma história, ou confiar no poder hipnótico das palavras, é acreditar de cara na leitura.
Essa crença não se aprende nem em oficinas, nem em livros especializados, ainda que estejam tão na moda hoje palestras e conversas de orientação para pais. As crenças se têm ou não se têm e isso nos remete ao ciclo infinito de vida, às infâncias dos que agora somos pais e à dos nossos pais e, assim por diante, na memória coletiva. Indagando nossos sentidos e sentimentos, podemos encontrar nossas próprias ideias para que as crianças se aproximem aos livros em casa.
À primeira vista pode-se pensar que nego a possibilidade de mudar o que já está dado ou de sair de uma “estrutura familiar”, o que soa muito pessimista, principalmente se considerarmos que na América Latina apenas uma minoria cresceu em ambientes próximos do livro. Mas não é esse o sentido. O que proponho é partir de uma busca pessoal, começando pelo começo, que somos nós, e não pelo fim, que são as crianças. Porque somos os adultos, com nossas leituras e nossas palavras – inscritas muito antes de sermos pais –, o texto primordial de leitura que as crianças enfrentam.
As canções de ninar e as músicas, os contos que outros escreveram em nós quando éramos crianças, trava-línguas, magias, lendas e todos os trocadilhos que fazem parte da tradição oral, são os textos de leitura mais ricos na primeira infância. Quem não se lembra de algum? Um vagarinho, vagarinho, fecha o olho no seu ninho ou qualquer uma dessas histórias contadas com os dedos das mãos… No campo ou na cidade, agora ou há vinte, ou cinquenta anos a infância tem seus próprios textos de leitura. E uma das vantagens de ser pai é que podemos nos dar ao luxo de recriar o nosso próprio repertório. Basta procurar na memória, perguntando aqui e ali do que gostávamos mais, essas fórmulas para começar e terminar as histórias que nos levam de volta ao tempo mítico do “Era uma vez, muitos anos atrás…”.
Todos temos o poder de nos tornarmos contadores de histórias, malabaristas e trovadores com nossos próprios filhos. Nossas histórias, nossas músicas – afinadas ou não –, nossas vozes e nossos tons podem ser mais interessante do que qualquer outro texto. Porque falam de nossas origens, porque vinculam as palavras com os afetos mais próximos. Porque nomeiam os medos e conjuram as sombras e estabelecem outro tipo de comunicação mais estreita, mais significativa e autêntica que a que normalmente costuma se dar na vida escolar. Por conhecer os interesses, os medos e as características de cada um dos seus filhos melhor do que ninguém no mundo, os pais são os mais capazes de revelar os mistérios que encerram as palavras. Esses mistérios que constituem a essência do prazer pela leitura.
Naturalmente, nem tudo se resume a boas intenções. São necessários alguns ingredientes. Primeiro, tempo. Um tempo ritual, longe das pressões cotidianas, para conceder um outro espaço à palavra. Além de sua função informativa e instrumental, as palavras permitem viajar, sonhar, desejar, acariciar, cantar e expressar. Uma história antes de dormir, todas as noites, ou uma conversa depois do jantar em família, ou um livro apaixonante lido aos poucos, conferem às palavras poderes mágicos e as vinculam à leitura como prazer.
Mas, além de tempo, precisamos de uma atitude diferente, aberta ao diálogo e ao encontro com tudo o que as crianças querem dizer. Ouvi-los para permitir que expressem seu mundo, suas fantasias, suas histórias, suas opiniões, seus acordos e desacordos. Respeitar seus argumentos e ajudá-los a formar seus critérios, que não precisam ser os nossos. Alimentar seus pontos de vista, oferecer-lhes referências culturais, estimular a sua imaginação e criatividade, tudo isso é o trabalho dos pais na formação de novos leitores.
Para enfrentar esses desafios, voltamos ao ponto de partida: são necessários pais leitores, assíduos frequentadores de bibliotecas e livrarias, à procura de material para alimentar os sonhos de seus filhos. E são necessários pais, não só para que eduquem pelo exemplo, mas para transmitir por osmose uma ideia de leitura mais vital e menos acadêmica. Pais que aguardam ansiosamente o jornal da manhã e mães que roubam tempo de suas tarefas diárias para se dedicar ao livro favorito. Pais que além de presentear com brinquedos, presenteiam com livros. Mães que podem encontrar nas páginas de um livro os melhores segredos da cozinha ou das plantas, a melhor história para compartilhar em voz alta com seus filhos ou a magia mais poderosa para fazer dormir o seu bebê.
Ao encontrar esses e muitos outros segredos da leitura, se aprende em casa, e que o que está em jogo não é o número de exemplares que possa ter a biblioteca paterna, nem os diplomas universitários que estão pendurados nas paredes. É muito mais fácil e mais barato do que isso. É compartilhar uma certa fé nas palavras. É acreditar no valor da linguagem para enriquecer a experiência, para criar e recriar o mundo. É deixar uma porta aberta para que os livros e as palavras se instalem confortavelmente no sofá e ocupem um lugar importante na vida cotidiana.


TRADUÇÃO: DOLORES PRADES

* Texto publicado em www.espantapajaros.com
Augusto Monterroso Bonilla (1921 – 2003), escritor e contista nascido na Guatemala, destacou-se por seus relatos breves.