sábado, 4 de fevereiro de 2012

A aprendizagem no cotidiano


Compartilhe
Página 1 de 3


Gilles Brougère. Foto: Marina Piedade
O autor Professor de Ciências da Educação da Universidade Paris Nord, na França, é diretor do Centro de Pesquisas Experice, na mesma instituição. Áreas de estudo Cultura infantil e brinquedos.Contato

O que é aprender? Trata-se de uma atividade que supõe dispositivos específicos ou de uma dimensão potencial de todas as atividades? Eu me coloco ao lado da segunda opção, ao ver a aprendizagem não como algo excepcional, diferente, mas como uma coisa cotidiana - uma questão com a qual atualmente trabalho no Experice, um centro de pesquisa que dirijo e que reúne pesquisadores das universidades Paris 8 e Paris Nord, na França. 

A aprendizagem, uma tarefa cotidiana 

Há, sem dúvida, mil maneiras de aprender. A unidade não é apenas linguística, relacionada ao fato de que utilizamos o mesmo termo para designar processos variados de autotransformação, de domínio das práticas (incluindo as simbólicas, o que se chama de aquisição de saberes, como se tratasse de um bem que se pudesse acumular e trocar), de produção de conhecimentos, de descoberta do mundo... Que fique claro que essas diferenças práticas pressupõem funcionamentos biológicos, mas não são eles que darão a chave do que é a aprendizagem, que é necessário compreender antes de tudo como uma atividade social. 

Aprender é o que permite entrar nos mundos sociais e dominar os códigos. E isso é verdade para a família, para o mundo cotidiano, para a escola e para o mundo científico. É preciso, portanto, romper com a ideia de que a aprendizagem só poderia se referir a uma atividade em separado, como se fosse um desvio. A escola é um mundo social entre outros, que desenvolve práticas específicas. Algumas delas só têm sentido no interior de seus muros, mas outras podem permitir que se desenvolvam novas práticas em outras esferas. 

Todo aprendizado é situado, mas pode igualmente oferecer matrizes em que é possível se apoiar para desenvolver performances em novas esferas. É o que se chama de transferência. 

A aprendizagem, portanto, está em todos os lugares, mas é pouco visível. O que se mostram são os dispositivos que a apontam de modo explícito. Mas não é porque o ensino é visível que a aprendizagem ocorre (se fosse assim, os casos de fracasso escolar seriam impossíveis). Da mesma maneira, não é porque um dispositivo educativo não é visível que não ocorre a aprendizagem. De certa maneira, ela não existe. É somente um termo para designar as mudanças, as produções operadas por indivíduos e grupos que difícil e indiretamente mal se deixam perceber. 

Essa visão choca-se profundamente com a visão da cultura francesa. Bastante diferente da alemã, que por meio da noção e do conceito de bildung (em alemão, "Educação", "formação") aceita de bom grado a ideia de aprender com a diversidade de situações, a começar pela família, ao longo da vida, e considera a escola como um lugar de aprendizado entre tantos outros. A visão francesa, ao contrário, é marcada pela valorização da escola, que só torna visível a aprendizagem e tende a desvalorizar ou não levar em consideração outros espaços de aprendizagem1. Para entender melhor, na prática, os docentes se apoiam em aprendizagens provenientes de outros espaços, mas a ficção da escola francesa leva a enclausurá-las nos ensinamentos escolares. 

Aprender o cotidiano 

O cotidiano, muitas vezes visto como o lugar da banalidade, é de uma grande riqueza e pressupõe o domínio do saber-fazer, dos comportamentos, dos conhecimentos (Brougère e Ulmann, 2009). Os efeitos de naturalização, evidentemente, não levam a ver esses aspectos, que só se revelam no momento das confrontações com outros cotidianos - por exemplo, no momento das experiências interculturais, quando se descobre que o que é óbvio para mim não é para outros. Isso nos leva ao que a Sociologia denomina socialização - quer dizer, aprendizagens não (ou pouco) conscientes. 

Uma ação se torna cotidiana quando não é mais notada, quando é praticada por rotina, quando ela não mobiliza mais o espírito para o seu desenrolar. O que nos faz perguntar como se chega ao local de trabalho, esquecendo-se do percurso efetuado rotineiramente, de modo quase automático, sem que se mobilize a reflexão, sem que se tomem decisões? Esse é o resultado de uma aprendizagem que conduz à apropriação de práticas que se tornam hábitos, em parte incorporados. Isso também alivia nossa consciência, que pode empregar sua energia em outra coisa. Tornar cotidiana alguma coisa é tê-la aprendido de tal modo que ela faça parte do que eu sou. A ruptura com as rotinas (uma longa estadia em outro espaço cultural ou nacional, por exemplo) implica o retorno a aprendizagens que não eram mais necessárias.

1 Mais informações a respeito desse assunto em Le bien-être des enfants à l’école maternelle- Comparaison des pratiques pédagogiques en France et en Allemagne, publicado em Informations sociales, nº 160, 2010, págs. 46-53.

Um comentário:

  1. Gostei muito da interpretação dada, em termos de aprendizagem, ao termo quotidiano.
    Parabéns pela seleção do texto.

    ResponderExcluir

Eu aguardo as sementes que você possa vir a lançar. Depois selecioná-las e plantar.

Novo Piso Salarial 2024

  A luta está em torná-lo  real no holerite dos profissionais