“Limite é necessário em todas as fases. Está presente no desenvolvimento de questões morais e de aprender o certo e o errado”, diz a terapeuta ocupacional, especializada em desenvolvimento da criança, Teresa Ruas, de São Paulo.
Desde cedo
Segundo ela, a infância é o primeiro contato da criança com as noções de que nem tudo é permitido a ela. A partir desta noção, ela aprende que deve respeitar esses limites da mesma maneira como deve ser respeitada também.
Para Teresa, quando os pais lidam com o limite com tranquilidade e segurança, constroem para seus filhos um ambiente funcional e que permite a eles entender que há coisas que não poderão fazer.
“Até os 3 anos, a criança tem uma estrutura emocional egocêntrica. Ela, literalmente, não entende o outro. Age de acordo com as sensações dela. Por isso, precisa ser ensinada, treinada mesmo a entender.”
Limite é para…
Psicóloga clínica do Hospital Infantil Sabará, em São Paulo, Ana Lucia Gomes diz que, antes de estabelecer limites, os pais devem entendê-los também. As funções dos limites são:
1. Ensinar a criança a lidar com a frustração. É na infância que esse treino deve ser feito, para evitar que esse processo se torne doloroso na adolescência e na vida adulta”, afirma.
2. Ajudar os pais a entenderem e agirem de maneira eficiente em ataques de birra. Ao estabelecer limites, não cedem às crises de birra da criança e não reforçam esse comportamento como sendo eficiente.
3. Estimular a independência no desenvolvimento da criança. “Uma criança que tem noção de que não pode tudo vai, com certeza, crescer mais independente e emocionalmente mais madura. Em compensação, atitudes de superproteção são desaconselháveis, porque não ajudam a criança a ultrapassar a frustração”, alerta Ana Lucia.
A importância
O limite não é, necessariamente, uma restrição, explica Teresa, mas estabelece regras e uma rotina, que vão ajudar a criança a navegar pelo mundo com mais segurança. “É muito importante ela conhecer a rotina do dia, saber o que vai acontecer: que será alimentada, que vai ter a hora do banho e que vai chegar o momento da sonequinha. Isso a ajuda a desenvolver os conceitos de começo, meio e fim”, diz Teresa.
Para a psicóloga Rosely Sayão, ensinar limites é ensinar a viver. Apenas os pais precisam fazer isso com bom senso, pois a criança adquire segurança correndo riscos. “Claro, ninguém vai permitir que corra riscos desnecessários. Mas é na ação, no experimentar, que ela aprende. Não adianta falar, a criança não entende, não consegue se controlar. É muito mais eficiente ensinar limites na prática”, avisa Rosely.
Teresa reforça essa tese ao usar como exemplo a fase em que a criança começa a andar. “Eles se sentem tão donos do mundo quando conquistam essa etapa! E ela só pode acontecer com o treino de limites. Os pais não podem, realmente, ensinar o filho a andar. Esse é um treino da criança. Ela deve aprender sozinha a controlar o corpo. O papel dos pais é incentivar e ajudar, oferecer um apoio, por exemplo. Mas a criança vai cair. Ela precisa cair para testar suas habilidades e aprimorá-las. Precisa cair para entender seus limites, para passar por cima da frustração inicial e conseguir, finalmente, caminhar sozinha.”
Cuidado com o “não”
Entender a importância do limite ajuda a criar maneiras mais eficientes de ensiná-los. Muitas vezes, uma afirmação é mais eficiente do que o bom e velho “não”. “A criança até entende que ‘não’ é ‘não’, mas não vai desistir por isso. Ela não consegue. O ideal é ensinar no ato, com assertivas”, diz Rosely.
Para a neurolinguística, o ‘não’ cria uma imagem mental na cabeça da criança que a estimula a fazer exatamente o que se pede para que ela não faça. “Um exemplo bem prático é o clássico dedinho na tomada. Na hora em que o pai diz ‘não ponha o dedo na tomada’, o que fica na cabecinha da criança é ‘tomada’. E ela vai insistir. O ideal é desviar o foco da tomada, oferecendo uma alternativa – por exemplo, ‘venha para perto da mamãe’ ou qualquer outra sugestão de atividade que mude o foco da criança”, diz Alexandre Bortoletto, psicólogo e instrutor da Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística.
Segundo ele, a assertiva é sempre melhor do que a negativa. O especialista explica que uma negativa, em vez de educar, pode acabar incentivando a criança a ir em frente no comportamento inadequado. Dizer o que quer que a criança faça, de forma clara e sempre oferecendo opções, é um bom caminho para ajudá-la a entender que ela tem uma gama de ações em que pode agir.
Em “casos de emergência”
“Eu sou pai de uma criança de 3 anos e vivencio essa questão do limite diariamente. Vamos acabar escorregando uma vez ou outra no ‘não'”, conta Alexandre. “Mas é normal, fomos criados assim, com este condicionamento. Eu mesmo me pego falando ‘não’! O importante é acrescentar um ‘sim’ imediatamente. No caso da tomada, claro que nenhum pai vai deixar o filho levar um choque! Se ele disse o `não¿, deve acrescentar uma escolha. Por exemplo: ‘Não! Não ponha o dedo na tomada! Olha que bonito este livro que o papai pegou para você. Vamos ler esta história juntos’? ou qualquer outra proposta, um jogo, um brinquedo. É importante sempre oferecer escolhas.”
Limite do bem
Para Teresa, os pais andam com medo e com culpa de estabelecer limites e isso é prejudicial para todos os envolvidos, em especial para a criança. “A mãe fica o dia inteiro fora, trabalhando; quando chega em casa e tem alguns momentos com as crianças, não quer ser a chata que diz ‘não’. Mas ela não está sendo chata, e a criança não vai deixar de gostar da mãe por isso. Ao contrário, vai encontrar nesse limite o suporte que precisa para se sentir amada.”
Para Ana Lúcia, a experiência em clínica mostra que pais que cresceram sem muitos limites têm mais dificuldades em estabelecê-los com o próprio filho. Já os que foram educados com regras mais claras podem ser um pouco mais rígidos. “Aí é que está a beleza de se criar uma criança: no equilíbrio. O excesso de limite é tão ruim quanto sua ausência. Pais superprotetores criam crianças mais imaturas e menos preparadas para encarar a vida de maneira segura.”
Alexandre oferece uma dica para ajudar pais a ensinarem limites, sem usar o “não” e reforçando o sentido de independência e responsabilidade da criança: “O `ou¿ é uma falsa escolha e um artifício excelente para ser usado pelos pais. Você pode perguntar a seu filho se ele prefere tomar banho antes do almoço OU na hora de dormir. O banho, seu objetivo, está garantido, mas você evita que a criança reaja mal à ideia. A única coisa é que você tem de manter o combinado. Isso é importante, para ele entender que optou e deve cumprir. Essa falsa escolha pode ser aplicada em diversas situações e costuma funcionar bem.”
Para Teresa, o mais importante é que os pais entendam e aceitem a tarefa de ensinar limites a seus filhos como um privilégio e um ato de amor. “Não é fácil, eu sei. Especialmente porque o mundo, as pessoas, os adultos andam muito sem limites. Mas essa é só mais uma razão para criarmos uma geração que lide melhor com as frustrações. Minha orientação é para que os pais nunca se sintam mal por ajudar seus filhos a crescerem como adultos saudáveis, felizes e seguros. Não há maior prova de amor do que essa.”
E a birra?
Para os especialistas, um dos pontos mais importantes é a birra. “Ela é o recurso máximo da criança. Os pais não devem ceder a ela de maneira nenhuma. Seu filho está testando limites. Se ultrapassá-los, vai se tornar um adolescente imaturo e malcriado”, diz Teresa.
Para Ana Lucia, um pai que, diante de uma birra pública, por nervosismo ou vergonha, atende aos desejos da criança, vai reforçar nela a ideia de que sempre conseguirá o que quiser se começar a chorar e espernear. “Meu conselho é simples: se você estiver em casa, simplesmente deixe-a chorar. Ela vai parar. Claro, isso pode ser desgastante, mas ela vai parar e, rapidamente, deixará de lado esse artifício.”
Alexandre recomenda duas saídas para os ataques em locais públicos. “Ou você, fisicamente, retira a criança do local, pega seu filho no colo e encerra o passeio ou consegue resolver a crise sem ceder. Uma ideia é oferecer escolhas. O importante é não estimular esse comportamento.”