domingo, 12 de fevereiro de 2012

Escola da Ponte


[Texto publicado na Revista de Educação AEC n. 141 out./dez.2006]

Reflexões sobre a Escola da Ponte


                                                                                      Celso dos S. Vasconcellos



E o que viu na Ponte?
É muito difícil expressar em palavras toda a riqueza da experiência. O que mais chama a atenção na Ponte não são as instalações, os recursos materiais e nem mesmo os interessantes dispositivos pedagógicos, mas as pessoas, a começar pelos alunos até o fundador do projeto, passando pelos amigos da Ponte[1].
O projeto tem sua centralidade na pessoa. A Ponte é uma escola em que a pessoa é fundamento e finalidade do trabalho educativo. Lá, os alunos aprendem a ser pessoas e a verem os outros como pessoas, por isto, segundo José Pacheco, há uma preocupação primeira com o perfil dos educadores: A competência básica dos professores que contratamos será o ser pessoa. Onde não existir uma pessoa, não será possível colocar um profissional professor.
De um modo geral, professores e alunos passam parte significativa de seu tempo na escola. Independentemente do currículo, os alunos estabelecem vínculos entre si, criam formas de relacionamento. Alunos e professores buscam estratégias de sobrevivência em relação às exigências da escola, desenvolvem suas culturas. Na Escola da Ponte, estes elementos (convivência, conflitos, descobertas, formas de ser), ao invés de ficarem à margem, são estruturantes do currículo. “Perde-se”, investe-se muito tempo nisto. Os orientadores educativos são convidados a reverem sua cultura pessoal e profissional. O currículo efetivamente está organizado para contemplar a pessoa, a partir de seu cotidiano. Centralidade na pessoa implica reconhecer que a vida é agora; é certo que na tensão entre o passado (memória) e o futuro (projeto) (cf. Hannah Arendt), mas no presente. O cotidiano é tema constante (ver, por exemplo, os dispositivos Acho bem e o Acho mal, a Assembléia, a Caixinha dos Segredos, a Reunião de Professores)
O universo escolar, os rituais, os dispositivos, não são absolutamente estranhos aos alunos, como em muitas escolas. Pelo contrário, eles dominam seu sentido, a ponto de poderem explicar a qualquer visitante que lá chega. Num certo momento da apresentação da escola, dei-me conta da cena: 5 adultos em cima do menino Roberto; ansiosos, queríamos saber tudo da escola, e ele com paciência ia explicando.
Ao analisarmos o conteúdo do Projeto Educativo da Escola da Ponte, constatamos que é relativamente simples (existem projetos de escolas brasileiras muito mais sofisticados do ponto de vista teórico ou ousados quanto aos valores que se propõem). A grande diferença é que lá o projeto se efetiva, “sai do papel”, não de forma espontânea, mas a partir do compromisso das pessoas e das mediações pedagógicas, comunitárias e administrativas desenvolvidas.
As pessoas que estão na Ponte teriam alguma qualidade especial, seriam de uma essência diferente, fruto de alguma mutação? Acho que não é o caso, embora existam talentos excepcionais. Nas palavras de Pacheco: É uma escola feita por seres humanos normais, tão iguais aos outros, mas que se transcendem, que se transformam e que reelaboram sua cultura pessoal e sua cultura profissional. Este é o segredo da Ponte. Têm coragem de se colocar em causa e a trabalhar com os outros. E ver nos outros alguém que os pode ajudar e a quem podem ajudar. É uma cultura de solidariedade.
Para entender a Ponte, creio que não podemos esquecer do peso da estrutura curricular, que é outro aspecto que chama a atenção: não haver “salas de aula”, professores e alunos isolados, “aula”, horários fragmentados, séries, reprovação.
Podemos dizer que o projeto está, sobretudo, nas pessoas, porém também na estrutura curricular. Assim como não há estrutura que funcione sem o ser humano, não há estrutura neutra.
O que fica claro com a crise que a escola estava vivendo, no momento em que a visitamos, é o quanto o projeto depende das pessoas, que não adianta existirem dispositivos, reorganização dos espaços e tempos se não houver pessoas que sejam coerentes com o projeto, que vivam os valores que o projeto propõe (ex.: de um lado, alguém se sentir dono do projeto, diminuir a participação do coletivo nas decisões, diminuir a formação dos educadores, deixar a vaidade subir à cabeça; de outro, não se exercer suficientemente a autonomia, deixar-se levar, não se posicionar, não questionar). Partilhar de um dispositivo educativo é partilhar, antes de tudo, do sentido subjacente a ele, da visão de mundo, dos pressupostos.
Há, portanto, uma articulação dialética entre Condições Objetivas (Materiais: número de alunos, número de orientadores educativos, horário de funcionamento da escola; Políticas/Estruturais: inúmeros dispositivos pedagógicos) e Condições Subjetivas (pessoas inquietas, que não se conformam com o que está dado, que se questionam, comprometidas com uma clara matriz axiológica - solidariedade, autonomia, responsabilidade e democraticidade).
Muitas vezes, temos a idéia de que a escola que está aí (não todas as escolas, porém o modelo dominante) sempre foi assim. Na Ponte, percebemos as várias modalidades de interação professor-aluno e de aprendizagem: estudo individual, ensino mútuo (entre alunos), ensino simultâneo (aula direta), ensino individual (professor atendendo um aluno), ensino coletivo (vários professores atuando ao mesmo tempo na aula direta).





[1].Rui Trindade, Ariana Cosme, Antonio Nóvoa, Domingos Fernandes, Nuno Augusto, Rubem Alves, Rosely Sayão, Júlio Groppa, Cláudia Santa Rosa, Eloísa Ponzio, Airton, Alessandra, Antônio..

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