por Adalgisa Aparecida Alves Lacerda*
Recentemente, eu e minhas colegas em assessoria escolar, tivemos a oportunidade de trabalhar com um pequeno grupo de educadores (professores e funcionários de creches, Emeis e Emefs). Trabalhamos o texto intitulado “Tenho um Zé em minha sala”, e a partir da leitura e discussão, apontamos algumas questões para reflexão necessária em nossa profissão.
Resumindo, o texto é um relato da experiência de uma professora e seu aluno chamado Zé Antonio, que nunca parava quieto; rabiscava as atividades entregando-as incompletas; empurrava e mexias nos materiais dos colegas; falava nomes feios, enquanto a professora procurava novas atividades para ele manter-se quieto. Sempre torcia para que ele faltasse às aulas, para dar um pouco de sossego. Mas contrariando as secretas esperanças da professora, o Zé nunca faltava nem adoecia... Esse aluno mobilizava tanto essa professora a ponto da mesma se esmerar na elaboração de algo que o fizesse se interessar, ficar mais calmo, mas em vão... Chamava os pais e esperava ansiosamente ajuda externa para encaminhamentos a psicólogos, quem sabe... e a angústia crescia...
Até que surgiu o interesse do Zé pelo canto da carpintaria: ficou quietíssimo e mostrou-se conhecedor de cada ferramenta... Enfim, em paz a martelar, parafusar...!!! Concentrado em sua produção de aviãozinho de madeira. Depois Zé lhe contou que pai era carpinteiro... Ela não sabia dos seus interesses, artes, hábitos de vida... O comportamento não mudou de uma hora para outra, porém começou a se interessar mais pela escola e, através do canto da carpintaria, iniciou seus colegas na arte. O gosto pelas atividades veio pouco a pouco. Já era possível dialogar e fazer acordos.
A partir da leitura do texto, surgiram algumas questões, como:
- Que sentimento o texto suscita?*
- Porque as estratégias utilizadas pela professora não surtiram efeito desejado?
- Como é um aluno ideal?
Porque é importante conhecer a realidade do aluno, seus interesses e hábitos? - Como incluir sem excluir?
Essas questões serviram como norteadores para reflexão da prática pedagógica, considerando que cada educador já teve ou tem um “Zé” em sua sala de aula. São esses os apontamentos e as respectivas análises feitas pelo grupo:
1) Falta ver as potencialidades dos alunos – De um modo geral, o professor está muito envolvido na rotina estressante da sala que não percebe as potencialidades de aprendizagem de seus alunos. Para essa percepção deve haver mais aproximação física com os alunos, olhar para eles, falar com eles e conhece-los melhor, afinal.
2) Deve-se fazer um trabalho de sensibilização para (ou com) professores – Nota-se que são muito rígidos na proposta de ensinar, tanto no desenvolvimento e procedimentos pedagógicos, quanto no cumprimento das exigências burocráticas do sistema escolar. Há que se fazê-los mais flexíveis e sensíveis para os problemas que ocorrem na sala de aula. Talvez o modo de trabalhar essas questões, seja por meio de dinâmicas, brincadeiras, jogos em oficinas de vivências grupais, por exemplo.
3) Elaboração de atividades e materiais diversificados com objetivos claros- tanto para os professores quanto para os próprios alunos. A professora do Zé estava sempre a procura de algo para ele fazer, para se acalmar, ficar calmo e sentado: prática tão comum em nossas escolas, quando se trata de alunos agitados demais. Quando paramos e pesquisamos subsídios para elaboração de atividades específicas e diferenciadas, raramente ficamos sem saber os objetivos da proposta (para quê?, como fazer? Quando fazer?). Lembramos de STAINBACK e STAINBACK (1999:264) quando sugeriram que, para a devida participação e aprendizagem dos alunos, é necessário que os professores formulem algumas questões antes de elaborarem as atividades: 1. o aluno pode participar dessa aula da mesma maneira que os outros alunos? 2. o aluno é incapaz de participar plenamente sem acomodação, que tipos de apoios e/ou modificações são necessários? 3. que expectativas devem ser modificadas para garantir a plena participação do aluno nessa aula? Essa parada nos faz pensar na prática cotidiana e, talvez, conhecer um pouco mais os alunos e finalmente nos faz, pouco a pouco, mudar em atitudes, posturas, ações e olhares para com eles. E mudança requer tempo.
4) Saber a realidade dos alunos – Não se trata de mera curiosidade ou constatação de algo que desconfiamos, mas sim de conhecer aspectos da vida dos alunos que possam servir de “ganchos” e dicas para propostas pedagógicas, aproveitamento de habilidades e interesses e para dinamizar e otimizar mais as aulas (entrevistas, pesquisas, roda da novidade, dramatização, jogos). Nessa perspectiva, os materiais que chegam às mãos dos professores estão sujeitos a análise e avaliação mais criteriosas. Essa ação depura a arte de planejar e de ensinar.
5) A relação professor-aluno com afetividade – toda relação pedagógica é construída com base na intenção de ensino e de aprendizagem. Para isso, a afetividade é um elemento que deve estar permeando as interações, para que outras questões possam emergir e sejam trabalhadas como limites, disciplina, participação, colaboração, entre outras. Num sentido mais amplo, a relação pedagógica é o contato interpessoal gerado entre todos os intervenientes de uma situação pedagógica e o resultado desses contatos. Parece-nos evidente que não há relação pedagógica se não houver mediação pelo saber (primeiro condicionante da relação pedagógica) e pelas condições que a instituição escolar cria para que essa transmissão e apropriação se formalizem (ESTRELA, 1992:34).
6) Falta estrutura para professores lidarem com suas angústias – estrutura interna, própria de cada pessoa em relação ao outro, sobretudo se este outro é o diferente. São sentimentos de aceitação e acolhimento, uma forma de lidar com suas próprias fraquezas e incapacidades. A estrutura externa seria um suporte e/ou apoio técnico-pedagógico ou, em alguns casos, alguém para escutar esses sentimentos que angustiam. Existem queixas sobre a dificuldade em encontrar espaço e tempo (e pessoas!) para essa escuta. Há uma falha (não culpa) no desempenho dos papéis de coordenadores e gestores das unidades escolares quando não consideram essas solicitações. Quanto ao suporte técnico pedagógico, existe uma equipe multidisciplinar que faz assessoria nas escolas, porém o quadro de profissionais se torna pequeno em comparação ao número de unidades atendidas. Nessa assessoria é possível acontecer a escuta, e além disso, orientações, recomendações, encaminhamentos, acompanhamentos dos casos e, quando necessário, faz-se um trabalho junto às famílias.
7) O papel dos professores em sala de aula é pedagógico – Não é para ser diferente, embora existam queixas sobre os vários papéis forçosamente exercidos em sala de aula pelos professores: pais, enfermeiros, psicólogos, padres (“para exorcizá-los”!). A escola é um organismo vivo e, nesse sentido, a sala de aula deve ser dinâmica e heterogênea para ser considerada e silenciosa, isenta de problemas, dificuldades e conflitos 100% do tempo. Os alunos são da escola e os professores não devem tomar para si próprios toda a carga de responsabilidades. Os problemas devem ser compartilhados com os outros elementos envolvidos na educação. Há a necessidade de implicar a família nessa história como parceira, que pode auxiliar e não prejudicar. Deve-se estabelecer vínculos, resgatar os pais e fazê-los pertencer à escola. Para isso, devem encontrar os portões abertos para os diálogos e escuta. Deve-se estabelecer uma relação de confiança mútua. Assim, os professores exercem seu papel, dando maior atenção àqueles alunos com maiores dificuldades.
8) Falta organização escolar para otimizar espaços e tempos – Para executar seu trabalho de forma dinâmica e significativa, os professores devem ampliar seus espaços de aprendizagem e explorar novos ambientes. O tempo é exíguo e fechado em si mesmo por conta das rotinas e cumprimentos de exigências burocráticas (internas e externas).
9) Incluir sem excluir – questão muito debatida e recorrente em muitos encontros de educadores. A dificuldade está em trabalhar com os alunos considerados diferentes, de modo a evitar excluí-los do grupo e do contexto. Inclusão escolar não se refere apenas aos alunos com deficiências (intelectual, auditiva, física e visual), mas a uma gama de educandos com características e necessidades específicas, que requerem atenção mais individualizada, bem como de atividades diferenciadas. Não excluí-los é, sem querer ser simplista demais, considerar as particularidades do grupo, na sua diversidade, gerenciando conflitos, problemas e carências que advém da heterogeneidade.
Embora, tivéssemos pouco tempo para trabalhar melhor os aspectos apontados pelos educadores, conseguimos fazê-los refletir sobre seus próprios papéis exercidos no espaço escolar. Fizemos algumas recomendações gerais, reforçando a necessidade de mudança, em todos os sentidos possíveis: se como está sendo feito, o trabalho não mostra resultado positivo, então se deve mudar o ângulo da condução do mesmo para visualizar algum aspecto mais claro, que dê a certeza de valer a pena continuar tentando. A inovação e mudança surgem dessas tentativas. Ter ou não ter um “Zé” em sala de aula faz com que pensemos nas reais necessidades de nossos alunos, para propor algo que os faça participar e aprender. Se os alunos aprendem, os professores também. Se os professores mudam para melhor, os alunos também.
Referências bibliográficas:
ESTRELA, Maria Teresa. Relação Pedagógica, disciplina e indisciplina na aula. Porto (Coleção Ciências da Natureza 2), 1992.
MAGALHÃES, Rita de Cássia B.P. (org.) Reflexões sobre a diferença. Fortaleza: Ed.Demócrito Rocha, 2003.
STAINBACK, S e Stainback, W. Inclusão. Porto Alegre: Artmed, 1999.
Texto trabalhado: “Tenho um Zé, em minha sala de aula” de Flaviana M. Granzotta – extraído de uma apostila sobre Afetividade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Eu aguardo as sementes que você possa vir a lançar. Depois selecioná-las e plantar.