GOBBI, Marcia Aparecida.
Resenha
Resenha
“Redescobrir a própria infância seria um movimento interessante o qual os adultos poderiam compor. (…) A irreverência abre caminhos e apresenta elementos para pensarmos no rompimento com determinados padrões.
Assinala-se uma ruptura com a cultura normativa e aproxima-se a arte da vida social (...)” (p.40.)
Como o próprio título sugere, neste capítulo Gobbi pretende discutir as aproximações da produção artística das crianças e dos adultos, com a educação; refletindo sobre a necessidade de se construir, neste campo, novas ideias e práticas elaboradas a partir da liberdade de olhar propiciada pela criação estética. Para tanto, inicia este capítulo referindo-se ao período modernista no Brasil e seus fundadores como prenunciadores de uma visão que concebe a infância como co-construtora, ao lado de adultos, de uma cultura ativa e criativa; elaborada com ideias próprias também das crianças (Moss, 2003, Apud Gobbi, 2007)
“Artistas e críticos modernistas no Brasil, tais como Mario de Andrade, Mario Pedrosa, Flávio de Carvalho, Anita Malfatti, e outros artistas seus contemporâneos como Paul Klee e o arquiteto Bruno Munari, compõem um cenário que indica a ruptura nos modos de ver as criações infantis.
(…) Compondo uma rede de significados, meninas e meninos são tidos como capazes de, não somente receber influências de diferentes contextos nos quais estão inseridas, como também contrui-los e marcá-los com suas ideias e realizações.” (p.31)
Parte-se do princípio que artistas e crianças, arte moderna e arte infantil experimentam momentos de coexistência. Momentos estes elaborados a partir do surgimento das propostas modernistas de rompimento com modelos e inovação da experimentação nos campos estéticos e sociais. Gobbi cita o crítico Mario Pedrosa e sua empolgação com as ideias de Cizek² sobre a diferenciação da arte construída e experenciada em espaços livres, externos as escolas e àquela realizada em seu interior. Destaca a potencia criativa, a complexidade dos trabalhos realizados pelas crianças e sua capacidade de aprender com elas. “A criança é percebida como criadora (…) como fontes inspiradoras nas quais adultos artistas deverão se fartar provocando seus processos de criação.” (p.38)
Também para Flavio de Carvalho “(...) somente verdadeiros artistas nutrem-se de produções das crianças” e a instituição escolar tem estado voltada “ (…) quase sempre a [de] abafar e matar qualquer surto de originalidade que aparece na fantasia das crianças.” (1933/1993: 161 apud Gobbi, p.38) Citando ainda Paul Klee, interessado nas produções infantis de seu filho, colecionava desenhos, referindo-se a potencialidade de aprendizado que estes sugestionavam ao propor construções estéticas ainda livres de concepções sociais.
Entendida como aquela que faz, produz e cria; a criança e suas produções, passam a ser vistas e valorizadas através de conceitos que possibilitam a discussão de uma cultura adultocentrada, cujo objetivo seja desconstruir as ideias e práticas que visam a imposição da produção artística adulta como modelo, ou mesmo o doutrinamento da mão e dos corpos na aprendizagem de técnicas que realizem possíveis gênios “descobertos” por pais e professores.
Desta forma “(...) centra-se o trabalho de professoras com as crianças nos conteúdos que passam a ser desenvolvidos, tendo como base o desejo, ou mesmo, a ansiedade pela chegada no estágio posterior...” (p.33). Ao longo dos anos e constantemente, especialmente dentro dos espaços de educação, as crianças acabam por ser destituídas de suas múltiplas capacidades expressivas, de sua criatividade e da capacidade de formular ideias e hipóteses, em favor de uma única linguagem [a saber o verbo] dita racional. Dito de outra forma:
“(...) a escola separa a cabeça do corpo e todas as suas partes, extirpando sua capacidade criadora. Não há nos espaços escolares (…), a pesquisa da multiplicidade de expressões, ou, mesmo, a apreciação estética do mundo, o encontro com o fantástico, com o imprevisto, as reações contra a monotonia constituindo uma cultura minuscula presente nos grupos escolares dos quais falava Mário de Andrade e que reflete a ausência da pluralidade, da imaginação, da curiosidade. Neles, os muros e as portas fecham-se para as diferenças, para a cidade, para o que é vital.” (p.37)
É pois, com base na ideia de que a Arte constitui uma “realização quotidiana de vida” que Mario de Andrade cria os Parques Infantis compreendendo a arte e o lúdico como fundamentos das práticas de educadores e das crianças suas frequentadoras. Em um movimento para além das questões puramente estéticas, o Modernismo no Brasil também esteve alicerçado na crítica e na discussão política. Mario e Anita Malfatti, ao refletir sobre os espaços destinados a educação de crianças conceberam a importância da arte como veículo de expressão, criatividade, pensamento e crítica.
Eis que se faz necessário a revisão e a reformulação das propostas de formação de professores, especialmente àqueles que irão trabalhar com as crianças pequenas. Neste sentido, Gobbi (Malaguzzi apud Rabitti, 1999:86; Sacchetto, 2001; Staccioli, 2000; Dallari 2002) reafirmam a Arte enquanto fundamento deste nível de ensino, onde a aproximação entre professores e artistas deve ser estimulada uma vez que
“ (…) a presença dos artistas (…) que provocam, com suas propostas e práticas, nosso olhar, nossas ações nas pedagogias voltadas para a primeira infância, reforçam sempre a ideia de que as crianças criam e expressam a realidade de inúmeras formas e que lhe são próprias.” (p.46)
E ainda, “A postura estética serve sim para olhar a obra de arte, mas seria bom conservá-la para olhar muitas outras coisas: para olhar com olhos diferentes, mais ativos, menos convencionais o mundo circundante.” (Dallari, 2002: 45 apud Gobbi, p.48)
Como conclusão, Gobbi reitera uma necessidade, deixando o convite ás professoras e professores de crianças pequenas para que olhem com olhos livres as produções infantis, valorizando não só a criança como ser ativo que constrói cultura, mas também suas produções expressivas como documentos capazes de ensinar mais sobre elas, ou sobre nossas próprias vidas. Que a Arte seja fundamento e, não didatizada, esteja diluída nos contextos escolares em seus “exercícios quotidianos de vida.”
Antes de mais nada e sempre, fica o convite para que nos pertimitamos olhar a vida com mais encantamentos e belezas. Em segundo fica aberto o espaço para a discussão.
Abraços de coisas boas,
Lorena Oliveira
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Fontes de Imagem: AQUI e The Metropolitan Museum of Art
Bibliografia:
¹ IN FARIA, Ana Lúcia Goulart. (org). O coletivo Infantil em creches e pré-escolas: falares e saberes. - São Paulo: Cortez, 2007.
Notas
² Viena, final do século XIX.
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