Por Anderson Benelli
6.1 - LEITURA DE IMAGENS, CONTEXTUALIZAÇÃO E PRÁTICA ARTÍSTICA
Em nossa vida diária, estamos rodeados por imagens impostas pela mídia, vendendo produtos, ideias, conceitos, comportamentos, slogans políticos etc. Como resultado de nossa incapacidade de ler essas imagens, nós aprendemos por meio delas inconscientemente. A educação deveria prestar atenção ao discurso visual. Ensinar a gramática visual e sua sintaxe através da arte e tornar as crianças conscientes da produção humana de alta qualidade é uma forma de prepará-las para compreender e avaliar todo tipo de imagem, conscientizando-as de que estão aprendendo com estas imagens. (BARBOSA, 1998, p. 17).
Como disse Ana Mae saber ler imagens na contemporaneidade é fundamental, somos bombardeados por estímulos imagéticos o tempo todo, seja através da publicidade, na política, no supermercado, na Internet, acabamos recebendo a maioria dessas imagens de forma inconsciente e acrítica. Muitos membros de nossa sociedade, não só as crianças, ainda desconhecem e/ou menosprezam o poder da imagem e precisam se conscientizar do real valor de se saber ler essas imagens. As imagens são usadas para alienar o povo desde os primórdios da humanidade, no Egito era usada para reafirmar a ‘divindade’ dos faraós e manter seu poder, na era bizantina e no Renascimento obras de arte com imagens de santos eram usadas para converter e manter os fiéis submissos a igreja. Na modernidade com a industrialização e a supremacia de um sistema capitalista baseado no consumo, para vender grandes quantias de produtos a publicidade se articula e com a chegada do aparelho de televisão, a relação com a imagem tornou-se ainda mais intensa e fugaz fazendo do saber ler imagens indispensável para a reflexão crítica da realidade. No processo de educação do olhar, e em todo processo de ensino/aprendizagem, a postura do(a) educador(a) na mediação de leituras de imagens deve sempre partir de uma abordagem problematizadora instigando o olhar, a reflexão respeitando as interpretações e julgamentos dos(as) educandos(as), o educador(a) não é dono do saber e da verdade e deve estimular e respeitar a autonomia dos(as) educandos(as). A contextualização de uma leitura de obra de arte não tem a obrigatoriedade de limitar-se a biografia do artista ou a história da arte, mas é importante esclarecer que também não as negamos quando estas se fazem necessárias para facilitar a análise da imagem. Já a partir do fazer artístico espera-se proporcionar uma vivência e experiência durante toda a produção tornando o processo de ensino/aprendizagem completo e significativo para os(as) educandos(as) aplicando na prática os conceitos estéticos e poéticos abordados durante a leitura e contextualização.
6.1.1 - Possíveis influências da Proposta Triangular
Alguns teóricos acusam a Proposta Triangular de ser cópia do Discipline-Based Art Education (DBAE) norte-americano, o que parece ser uma acusação, no mínimo, ingênua. O DBAE é sim uma das referências dessa abordagem, segundo a própria Ana Mae, junto com o Basic Design Moviment inglês e as Escuelas al Aire Libre do México com sua proposta de educação libertária. Mas, não é preciso ir tão longe para buscarmos, o que parece ser, a principal referência dessa abordagem de ensino/aprendizagem da arte proposta pela educadora, basta olharmos para o nosso ‘terreiro’. Como a principal referência desse trabalho é a pedagogia freireana, e valendo-se do conhecimento de que a educadora Ana Mae foi aluna do professor Paulo Freire e só passou a se interessar por educação a partir desse contato. Não é difícil deduzir e perceber, em uma análise comparativa, que a principal e mais forte referência da Abordagem Triangular de Ana Mae é o pedagogo Paulo Freire. Ao analisar a proposta se estabelece nesta pesquisa relações com a pedagogia de Freire que também propõe uma ‘abordagem triangular’ no processo de ensino/aprendizagem e seus pontos principais são: leitura de mundo, conscientização crítica a partir da contextualização da realidade dos(as) educando(as), e agir para transformar, ou seja, fazer. Apesar de Freire ter desenvolvido sua metodologia e teoria pedagógica em um campo mais amplo, e nunca ter se referido diretamente a especialidade do ensino da arte é bom lembrar que o pedagogo se valia de leitura de imagens com situações do cotidiano dos(as) educandos(as) para alfabetizar adultos em zonas rurais. Essas imagens eram acompanhadas por uma palavra geradora, por exemplo, a imagem de um menino em um determinado contexto cotidiano aos educandos(as) com a palavra menino logo abaixo. Essa imagem e essa palavra desconstruídas e decodificadas a partir de uma abordagem problematizadora geravam outras palavras ligadas ao contexto sociocultural dos educandos resultando em diálogos e reflexão crítica sobre a realidade e condições sociais ao quais eram submetidos. Ao mesmo tempo em que, se conscientizavam e se reconheciam como produtores de cultura deixando de ter um pensamento e/ou postura de inferioridade em relação a classe dominante. Ou seja, uma construção do orgulho e do poder popular através da educação partindo de leitura de imagens, contextos históricos, políticos, sociais etc. propondo uma ação, um movimento em direção a mudança para transformar essa realidade. Em sua proposta Ana Mae aplica os ensinamentos do mestre explorando as potencialidades de sua proposta pedagógica de forma atualizada transpondo ao contexto de ensino/aprendizagem da arte. Apesar da Proposta Triangular ser muito clara, a má interpretação de seus conceitos por parte de alguns educadores tem causado precipitações na sua aplicação. Entre os erros mais comuns estão: o entendimento limitador de contextualização como contexto histórico, e a confusão e aproximação entre os termos de releitura e cópia. Em relação a contextualização, é importante lembrarmos que a arte, além de ser fruto de seu tempo produzida por artistas/autores, é uma área de conhecimento transdisciplinar, ou seja, está em constante diálogo com o mundo e suas diversas áreas de conhecimento como podemos ver nessa passagem de Ana Mae:
A metodologia de análise deve ser de escolha do professor e do fruidor, o importante é que obras de arte sejam analisadas para que se aprenda a ler a imagem e avaliá-la; esta leitura é enriquecida pela informação acerca do contexto histórico, social, antropológico etc. (BARBOSA, 2009, p. 39)
Observando atividades de ensino/aprendizagem em arte constata-se que além dessa limitação de contextualização ao contexto histórico alguns educadores entendem a tríade leitura, contextualização e fazer como elementos complementares que acontecem em momentos completamente separados. Esses elementos são sim complementares, mas não precisam necessariamente acontecer em momentos separados, a própria obra carrega contextualização e durante a leitura feita com os(as) educandos(as) é possível contextualizar preparando para o fazer. Essa percepção das pontas do triangulo conceitual da abordagem como elementos completamente separados faz com que os momentos de leitura, contextualização e prática aconteçam também dessa maneira, como se não existisse uma interligação entre esses processos, dificultando a compreensão do conteúdo por parte dos(as) educandos(as) e causando um engessamento da proposta pedagógica. Os educadores precisam compreender que “não se tratam de fases da aprendizagem, mas de processos mentais que se interligam para operar a rede cognitiva da aprendizagem” (BARBOSA, 1998, p.40). Esse engessamento causado pela separação da tríade conceitual e a limitação da contextualização ao contexto histórico causa uma percepção errônea da Proposta Triangular como cópia do DBAE por aproximar as duas propostas uma vez que o segundo propõe estética crítica e história da arte como disciplinas separadas a serem estudadas em momentos distintos como se não existisse relação entre as duas disciplinas. Durante os processos de leitura, contextualização e prática, mesmo que esses aconteçam em momentos distintos, e isso é natural que aconteça, para uma melhor compreensão do conteúdo por parte dos(as) educandos(as), é importante não existir barreiras definidas entre esses momentos fazendo relações entre um e outro o tempo todo mantendo uma dialógica entre esses conceitos deixando claro que são inter-relacionados. Já sobre a confusão entre os conceitos de releitura e cópia me parece uma total incompreensão dos termos. Cópia é o ato de reproduzir de forma mais fiel possível manualmente ou através de equipamentos que nos permitam fazer isso, como a copiadora, por exemplo, algo. A cópia quando feita manualmente pode colaborar para o desenvolvimento de habilidades técnicas, mas não diferenciar cópia de releitura é limitar a produção criativa dos(as) educandos(as) ao fazer por fazer, ou seja, ao tecnicismo inibindo o desenvolvimento estético e conceitual dos(as) educandos(as). Já releitura como a palavra já diz é o ato de reler, reinterpretar, resignificar, recompor, citar, remixar, se apropriar de produções estéticas de outros indivíduos, ou seja, se apropriar de uma ou inúmeras referências e fazer a sua maneira. O Hip Hop parece ter um especial potencial esclarecedor entre as diferenças desses dois termos (cópia e releitura) uma vez que suas manifestações artísticas se valem muito da apropriação das produções de outros, seja na dança, na música e no Graffiti ou pixação. A música RAP geralmente feita com samplers[2] em repetições cíclicas, se analisada comparativamente com a música original, ou seja, a matriz apropriada para a produção do RAP, parece ser um exemplo perfeito para esclarecermos as diferenças entre os dois termos em questão. Deixo duas músicas de sugestão para uma análise comparativa: Ela Partiu de Tim Maia e Um Homem na Estrada do grupo Racionais MC’s e as obras Las meninas de Velásquez (1656) e uma das 44 releituras de mesmo nome feitas por Pablo Picasso a partir de 1950.Por que a confusão entre dois conceitos tão diferentes como os de cópia e releitura? Dois problemas fundamentais do ensino automatizado parecem contribuir para a indistinção entre esses dois termos (cópia e releitura) e muitos outros. Um dos problemas que contribuem para essa causa, já foi comentado anteriormente, é que a maioria da população ainda não sabe ler criticamente as imagens. O outro é o de ler e não compreender criticamente textos, um velho problema que atinge grande parte da população, inclusive educadores(as) como a indistinção entre esses os dois termos em discussão, cópia e releitura, nos comprova. Não é possível encontrar outra explicação, já que lendo o livro A imagem no ensino da arte de Ana Mae não lembro, se quer, ter me deparado com esses termos.Paulo Freire há muito tempo vem chamando a atenção para o problema do ensino/aprendizagem da leitura e escrita a partir de métodos “bancários” de repetição que fazem com que os(as) educandos(as) memorizem a palavra e não realmente compreendam seu significado. Ou seja, os(as) educandos(as) (re)conhecem a palavra como imagem, mas não o seu significado, e quando se deparam com textos e conceitos encontram dificuldade de interpretar e compreender seus significados criticamente. Se os(as) educadores(as) de hoje foram os(as) educandos(as) de ontem ensinados a partir de métodos “bancários”, infelizmente, é muito provável, e até “natural”, que sofram desse mal e o repasse para seus aprendizes.
Daí a impossibilidade de vir a se tornar um professor crítico, se mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado de frases e de ideias inertes do que um desafiador. O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao texto temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória – não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação com o que leu e o que vem ocorrendo em seu país, na sua cidade, no seu bairro. Repete o lido com precisão mas raramente ensaia algo pessoal. Fala bonito de dialética mas pensa mecanicistamente. Pensa errado. É como se os livros todos cuja leitura dedica tempo farto nada devessem ter com a realidade de seu mundo. (FREIRE, 1996, p. 27).
Essa indistinção entre cópia e releitura ocorre quando o(a) educador(a) recebe a Proposta Triangular mecanicamente, e sem a reflexão crítica a transforma numa fórmula estática deixando assim de ser proposta para se tornar uma regra a ser seguida sem questionamento. Quando o(a) leitor(a) não problematiza durante a leitura, não reflete. E sem reflexão não há consciência crítica e sem consciência crítica sobre a proposta, ou seja, qual for o conteúdo, o(a) educador(a) não conseguirá explorar todo seu potencial a limitando. A Abordagem Triangular e nenhuma outra proposta e/ou conceito deve ser recebido pelo(a) leitor(a) de forma automatizada.E além de refletir sobre a abordagem, todo(a) educador(a) deve refletir sobre a escola e o contexto no qual essa está inserida (a comunidade), a atividade que pretende propiciar e o coletivo de educandos(as), e indivíduos deste coletivo, ao qual essa atividade é direcionada. Ou seja, toda ação educativa deve ser planejada. O(A) educador(a) deve se colocar dentro da realidade em que ele(a), a escola, e os(as) educandos(as) estão inseridos(as) de forma crítica. Deve conhecer a comunidade da qual a instituição faz parte, observar como a instituição se porta diante desse contexto sociocultural e como os(as) educandos(as) e membros da comunidade se portam diante da escola e de sua própria comunidade, para que assim, possa por em prática de forma funcional a sua ética educativa e/ou profissional.
Em nossa vida diária, estamos rodeados por imagens impostas pela mídia, vendendo produtos, ideias, conceitos, comportamentos, slogans políticos etc. Como resultado de nossa incapacidade de ler essas imagens, nós aprendemos por meio delas inconscientemente. A educação deveria prestar atenção ao discurso visual. Ensinar a gramática visual e sua sintaxe através da arte e tornar as crianças conscientes da produção humana de alta qualidade é uma forma de prepará-las para compreender e avaliar todo tipo de imagem, conscientizando-as de que estão aprendendo com estas imagens. (BARBOSA, 1998, p. 17).
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