Aos 90 anos, a mais famosa escola democrática do mundo, segue firme na defesa das aulas não obrigatórias e das decisões coletivas
Rodrigo Ratier (rodrigo.ratier@abril.com.br), de Suffolk, Inglaterra
No quadro da aula de Didática 1 na Universidade de São Paulo (USP), os nomes de célebres pensadores da Educação eram rapidamente riscados pela professora. Grupos de alunos disputavam o direito de apresentar um seminário sobre a obra de figuras como Carl Rogers (1902-1987), Maria Montessori (1870-1952) e John Dewey (1859-1952). Perdida em meio ao panteão pedagógico, a caloura Andresa Prata Cirino Cuginotti aceitou a indicação de uma amiga: "Vamos falar sobre esse cara. Ele inventou uma escola em que as crianças fazem o que querem". O cara era o escocês Alexander Sutherland Neill (1883-1973). A escola, Summerhill.
"Esse episódio mudou minha vida. Fiquei fascinada pelo Liberdade sem Medo", afirma, referindo-se ao livro da década de 1960 em que Neill descreve o funcionamento da escola, com destaque para as aulas não obrigatórias e para as assembleias, onde as crianças decidem, em pé de igualdade com os adultos, as regras da instituição (leia o infográfico abaixo). Isso foi em 2002. Sete anos depois, o fascínio virou um despretensioso e-mail à equipe da escola. "Tem algum emprego aí?", digitou, encarando o silêncio de três semanas como uma negativa. "Sim, temos", informava a resposta, que dava detalhes sobre a vaga de house parent - literalmente, mãe de casa, a pessoa que cuida dos alunos que moram na escola durante o período de aulas (sim, estamos falando de um colégio interno). "Voei para a Inglaterra, fiquei alguns dias para que me conhecessem e fui aprovada", explica a brasileira. "Estou aqui desde então."
Encontrei Andresa durante uma visita a Summerhill no fim do ano passado. Ajudado por uma incrível coincidência - o marido dela, o engenheiro Augusto Cuginotti, é um amigo que eu não via havia pelo menos uma década (e que jamais suspeitava encontrar por lá, lecionando Ciências) -, pude fazer um tour diferente do da maioria dos visitantes, com mais liberdade e tempo para circular pela escola e conversar com os alunos. Localizada num sítio na cidade de Suffolk, a cerca de duas horas de trem de Londres, Summerhill completa este ano seu 90º aniversário. É, provavelmente, a mais célebre das chamadas escolas democráticas. "Trata-se de um grupo de instituições que conjugam algum tipo de gestão democrática com flexibilização curricular, em que as aulas são opcionais", define a socióloga Helena Singer, fundadora do Instituto de Educação Democrática Politeia, em São Paulo, e autora do livro República de Crianças. A primeira escola desse tipo de que se tem notícia foi fundada na Rússia em 1857 por Léon Tolstói (1828-1910), o escritor de Guerra e Paz e Anna Karenina. Hoje, além de Summerhill, os exemplos mais conhecidos são a Sudbury Valley School, nos Estados Unidos, e a Escola da Ponte, em Portugal. Pelo parentesco linguístico, a experiência lusitana foi a que mais reverberou no Brasil, influenciando o projeto pedagógico de instituições particulares, como a Escola Lumiar, e públicas, como a EMEF Desembargador Amorim Lima e a EMEF Presidente Campos Salles, todas em São Paulo. Pelas contas da Rede Internacional de Educação Democrática, há mais de 200 escolas com essa proposta em 28 países, atendendo em torno de 40 mil alunos. Uma gota d’água num oceano planetário de bilhões de estudantes, mas uma iniciativa ainda revolucionária. Há mais de um século o mundo acompanha com interesse as experiências escolares em que as crianças podem (quase) tudo.
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