(In: Gullar, Ferreira. Indagações de Hoje. Rio de Janeiro, José Olympio, 1989. pp. 152-157)
Não sou um educador, não sou um especialista em educação. Não é, portanto, nessa condição que vos dirijo a palavra na abertura deste congresso. Meu trabalho e minhas indagações se voltam principalmente para o campo da arte e da literatura. Sou às vezes poeta. O convívio com a arte e a poesia situam-me, de certo modo, à margem de uma civilização que se apóia cada vez mais no conhecimento técnico e científico. E esse modo de conhecimento tem ganho terreno também no âmbito das artes, ora influenciando os seus instrumentos de análise ora o próprio processo criador. Acredito que a ciência e a técnica são meios necessários e imprescindíveis para a solução de muitos problemas do mundo atual, inclusive de alguns gerados pelo próprio desenvolvimento desses meios. Mas não os considero absolutos nem exclusivos, pois teimo em acreditar que há zonas da experiência humana em que o conhecimento se gera e elabora independentemente da ciência e da sofisticação tecnológica.
Não há nenhuma novidade em dizer que o modo de conhecimento estético difere do modo de conhecimento científico e mesmo do modo de conhecimento filosófico. A arte, a poesia são na verdade expressões questionadoras de todo o conhecimento estabelecido e até mesmo do próprio conhecimento estético. O artista é um questionador permanente da cultura, muito embora isso não implique uma atitude niilista com respeito à cultura. É uma atitude tacitamente crítica, porque privilegia a experiência existencial, afetiva, em face do mundo conceitualizado. Sem conceituar a realidade, sem descobrir-lhe as leis, as regularidades, o homem não teria construído a civilização. A conceituação é a busca da estabilidade e do equilíbrio. Mas implica um distanciamento com respeito à realidade objetiva e subjetiva, que mudam incessantemente. Por isso os conceitos mudam. A história da cultura é a incessante atualização dos conceitos em face das descobertas e das transformações que a prática humana realiza. Desse modo, o cientista, o filósofo, o sociólogo também questionam a cultura, mas diferentemente do poeta e do artista. Aqueles querem substituir um conceito por outro conceito. O artista não. O artista questiona a própria conceituação da realidade. Ele se nega à generalização que dissolve a experiência vivida no conceito abstrato. O seu modo de conhecer é um incessante recomeçar. Como a vida mesma. A história do homem recomeça em cada novo indivíduo que nasce. Mas a civilização não recomeça com ele. E a cada dia, o novo indivíduo que nasce encontra uma sociedade mais complexa na qual terá que se inserir. A inserção do novo indivíduo na sociedade é tarefa da educação.
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Eu aguardo as sementes que você possa vir a lançar. Depois selecioná-las e plantar.