quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Educação sem modismos

Folha Dirigida, 06/01/2011 - Rio de Janeiro RJ
Terezinha Saraiva


Fiquei tentada a escrever o primeiro artigo do ano de 2011, comentando o decréscimo das matrículas na educação básica revelado pelo Censo Escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Adiei o assunto para outro artigo, preferindo iniciar o ano com algumas reflexões, fruto de minha longa trajetória profissional. Os educadores carregam consigo, permanentemente, uma agenda mental, na qual estão registrados convicções, experiências, questionamentos, diagnósticos, emoções, recordações, certezas, dúvidas, enfim, assuntos para permanente reflexão. É uma agenda dinâmica e cumulativa e que mais rica se torna à medida que se alongam a trajetória profissional e as experiências vividas pelos educadores. Por esta razão é que, cada vez que se lê ou se ouve alguém comentar sobre os problemas educacionais brasileiros, como se os estivesse descobrindo, os verdadeiros educadores não se surpreendem. Ao contrário, enchem-se de melancolia ao ver que tudo ou quase tudo está registrado em sua "agenda mental", como desafios que permanecem sem solução, embora muitos anos tenham passado desde a época do registro inicial que fizeram. Os problemas são os mesmos. Variam, apenas, de dimensão, quantitativa ou qualitativa.
Como em suas agendas estão anotadas as experiências vividas, conhecidas ou acompanhadas, experiências que em época, mais ou menos recente, representaram respostas corretas e eficientes a este ou àquele problema educacional, o desencanto aumenta ao constatarem que, um dos grandes problemas que marca a gestão da educação é a descontinuidade, é o descaso pelas experiências bem sucedidas, que são abandonadas e que, por falta de humildade, não são continuadas ou retomadas. Por que será que, no Brasil, não se dá continuidade aos trabalhos sérios, com bons e eficientes resultados, empreendidos na área educacional? E eles existem. Creio que, em alguns casos, por falta de registro. Não é comum o hábito de registrar uma experiência, um trabalho realizado. E, também, nem sempre há interesse em conhecer o registro quando ele existe. Penso que muitos, sobretudo ao alçarem a esfera da gestão da educação, imaginam que para marcar sua passagem pelo cargo têm que, obrigatoriamente, criar e desenvolver projetos ou atividades novas, muitas vezes novas somente na nomenclatura, esquecendo-se de que o tempo de um mandato administrativo é insuficiente para caracterizar uma obra que precisa de tempo, de continuidade, para se firmar. Esquecem-se do que a natureza nos ensina a semear... e um dia colher. A semeadura na área da educação é demorada. Nela, têm igual importância os que adubaram a terra e semearam ideias e projetos e os que os cultivaram, viram as flores desabrochar e colheram os frutos.
Pela falta de continuidade é que se torna frequente problemas voltarem à tona, para os quais, já tinham sido encontradas soluções que, se tivessem tido continuidade, não mais voltariam a existir. Problemas antigos que somados aos novos, engrossam o rol de mazelas, que afligem nosso sistema educacional. Outro aspecto é o referente às novidades. A todo instante introduzem no quotidiano da educação, novas teorias, novas práticas, até novas palavras ou expressões, apenas porque se constituem em novidade. Assim aconteceu, lá pela década de 90, com a palavra modernidade. Devemos introduzir a modernidade no processo educacional, não os "modismos"! E introduzir a modernidade não é tarefa fácil. Começa pela dificuldade de concretizar o significado da palavra. Os termos "moderno" e "modernidade" acolhem uma gama de entendimentos diversos, que se estendem da semelhança convergente à diferença absoluta de substantivas divergências.
Em verdade, vive-se hoje, num mundo em que se explicitam e se comunicam, com extrema rapidez, os diversos parâmetros ideológicos responsáveis pela leitura diferenciada do que seja, o Homem, a Sociedade, a Cultura, a  Ciência, a Tecnologia. Essas diversidades de  concepção, ao mesmo tempo em que exercem papel determinante na definição das políticas e de pautas de ação, são desafiadas pela acelerada conquista de novos conhecimentos aplicados, rapidamente, aos problemas concretos da vida cotidiana, ficando sujeitos às formulações políticas e às práticas adotadas para implementá-los pela necessidade constante de mudança e de adequação. Não se esgotam as manifestações dessa modernidade que se pretende sejam inseridas no processo educacional; não como um desejo superficial de ser moderno, mas como uma exigência desafiadora de instituir um processo educacional capaz de ajudar o aluno a ser um homem do seu tempo, apto a viver seu presente e construir seu futuro. Afinal, este é o objetivo da educação.
Entretanto, o que se vê, presente nos últimos discursos, nos textos produzidos por alguns educadores, nem sempre podem ser entendidos como a modernidade desejada. Muitas não passam de "modismos". Alguns exemplos: "contextualização", "competências e habilidades", "interdisciplinaridade", "temas transversais", "empreendedorismo", "pró-ativo". Isto tudo sempre existiu e se praticou no processo educacional; mas, de uns tempos para cá, transformaram-se em palavras de ordem. Se não as usarmos, corremos o risco de ser interpretados como educadores do passado. Às vezes, os "modismos" são tantos que tornam os textos ininteligíveis. É preciso decodificá-los para serem entendidos, chegando-se à conclusão de que nada é moderno, tudo já era do conhecimento e da prática dos verdadeiros educadores, os de ontem e os de hoje. E é diante destes educadores, movidos, não pela vaidade, mas pelo compromisso com a Educação, que se apresenta um velho desafio - dar continuidade às experiências bem sucedidas e aos projetos consistentes, evitando que os pseudoavanços do processo educacional se limitem à superficialidade da reforma semântica e dos modismos.

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