quinta-feira, 29 de março de 2012

Complexidade da formação de professores. Saberes teóricos e saberes práticos.




SILVA, Marilda da. 
São Paulo: Cultura Academica, 2009. 
Resenha 
Este livro de Marilda da Silva dá conta de apresentar os resultados das pesquisas e reflexões realizadas, ao longo da decada de 1990, referentes a formação de professores e a construção de seus saberes profissionais; e a especificidade da conjunção teoria/ prática que ocorre durante a formação docente1. Privilegiando, como aporte teórico, os estudos realizados sobre e a partir das vozes e memórias de professores, diz que
“Ao reconstruir uma nova concepção sobre tais relações [teoria e prática], eles [os professores] percebem que não se trata de denunciar ou de se autopunir por essas pseudoincoerencias; antes, trata-se de compreender como é que elas, professoras, no decurso de sua formação intelectual e profissional, tem incorporado e traduzido em sua prática pedagogica os elementos que compoem as teorias por elas estudadas, e de que modo tais elementos são relativizados, tematizados e reconceitualizados ao se cruzarem com aqueles que procedem da experiência individual e coletiva, e que passa igualmente por um processo de reelaboração.” (Catani, 2007, p.31 apud Silva, p.11)
Sendo diversas as abordagens que se originam da pesquisa e reflexão sobre a elaboração do saber docente, convém ressaltar que embora a pesquisa bibliográfica realizada pela autora seja bastante extensa, optamos, tendo em vista a brevidade e o objetivo desta resenha, por destacar apenas alguns destes autores.
Ainda na introdução, considera relevante diferenciar os conceitos utilizados para definir habitus professoral e habitus do estudante, sendo o primeiro aquele relativo a prática do professor no ensino de conteúdos em sala de aula, e o segundo a prática deste mesmo professor enquanto aluno nos cursos de formação docente.2
Silva inicia seu trabalho, com base nos estudos de Nóvoa e Tardif, intitulados Os professores e a sua formaçãoSaberes docentes e formação profissional, respectivamente, apontando dois aspectos fundamentais a constituição de uma epistemologia da pratica docente: um primeiro que diz respeito a diferenciação fundamental entre conhecimentos teóricos e conhecimentos práticos, e um segundo que refere-se a (re) construção cotidiana dos saberes práticos nos quais estão atrelados experiências individuais e coletivas, assim como as teorias apreendidas durante os cursos de formação. “Em tal perspectiva, o olhar sistematizado, reconhece a complexidade da epistemologia da prática docente à luz do sujeito que a constrói – conscientemente ou não, querendo ou não – quando ensina conteúdos curriculares na sala de aula de nossas escolas.” (p.24) Acrescentando que
“(...) é fundamental o domínio do corpus teórico da sua área de conhecimento e das ciências da educação, mas, por outro lado, ao professor também é indispensável a sensibilidade sobre as suas experiências e sobre sua interação com os demais sujeitos desse processo de aprendizagem.” 3(p.25)
De modo mais específico, Tardif e Pérez Goméz, consideram fundamental a aproximação do futuro professor da prática escolar, assim como a necessidade de se estabelecer parcerias entre as instituições formativas e as escolares. Para melhor elucidar os conceitos destes autores, referindo-se a fundamentação teórica de ambos, a autora distingue três conceitos sugeridos por Schön (1983): o “conhecimento-na-ação”, inerente ao homem acontece de modo intrinseco à ação; a “reflexão-na-ação”, considerando que durante a própria ação o homem está refletindo, testando hipóteses e remodelando sua prática; e a “reflexão sobre a ação”, que ocorrendo após a ação, também tem como objetivos: avaliar, questionar e remodelar esta atuação.
Entendendo então, o produto do trabalho docente, como algo que se constrói no cotidiano, a partir das relações que os indivíduos estabelecem entre si dentro do espaço escolar; torna-se importante que o professor seja capaz de “realizar” estas três formas de ação. Aquela, do “conhecimento-na-ação”, que ocorre naturalmente aos indivíduos; a “reflexão-na-ação” que ocorre ao longo do cotidiano prático de professores e demais membros da comunidade escolar; e aquela “reflexão sobre a ação”, pós ação que diz respeito a capacidade do professor de refletir sobre sua prática, de modo a planejá-la, experimentá-la e auterá-la caso considere necessário.
De modo geral os autores, propõem (re) pensar os atuais modelos de formação, de modo que estes reflitam, o mais possível, um equilibrio na transmissão e incorporação dos conhecimentos teóricos e dos conhecimentos práticos ao longo do curso; afirmando que “Tal tarefa se constitui atualmente num desafio, pois hoje a realidade constata o esgotamento do modelo tradicional de formação de professor, que não consegue mais dar respostas aos problemas do cotidiano escolar.” (Mendonça, 2003, p.15-16 apud Silva, p.86)
Referindo-se a elaboração e a especificidade do habitus professoral Pérez Gómes diz que
“O profissional competente atua refletindo na ação, criando uma nova realidade, experimentando e corrigindo e inventando através do diálogo que estabelece com essa mesma realidade. (…) o conhecimento que o novo professor deve adquirir vai mais longe do que as regras, fatos, procedimentos e teorias estabelecidas pela investigação.” (1992, p. 102 apud Silva, p.31)
Ou como afirma Tardif, não se trata de
“(...) um saber sobre um objeto de conhecimento nem um saber sobre uma prática e destinado principalmente a objetivá-la, mas a capacidade de se comportarem como sujeitos, como atores e de serem pessoas em interação com outras pessoas. (...) é esse tempo vivido, cheio de sentido e de experiências concretas, e não o tempo cronológico que permite a estruturação '(...)e a memorização de experiências educativas marcantes para a construção do Eu profissional'” (2002, apud Silva p.25-26) 4
Com base nos relatos colhidos junto às professoras, Catani et al5 diz que “(...) os conhecimentos que dizem respeito a prática pedagógica não se acham contidos exclusivamente na teoria educacional, mas procedem também da experiência pessoal e social que tem lugar dentro e fora da escola.” (1997, p.34 apud Silva, p.32)
Em referência a Marcelo Garcia (1999), a autora diz que
“Reconhecendo que a formação humana é um fenômeno altamente complexo e diverso, o conceito de “desenvolvimento profissional é apresentado” pelo autor como “[...] o conjunto de processos e estratégias que facilitam a reflexão dos professores sobre a sua prática, que contribui para que os professores gerem conhecimento prático, estratégicos e sejam capazes de aprender com a sua experiência.” (p.144 apud Silva p. 38)
Ressaltando o espaço escolar como locus privilegiado onde ocorre a interação entre professores e alunos, e entre professores e seus pares; entende-se que é somente na prática cotidiana, através da ação e da reflexão, que o professor vai tornando-se capaz de apreender, criar e (re )construir seus próprios saberes; como salienta “(...) aprender a ser professor é um processo de aprendizagem profissional que ocorre quando efetivamente atua-se em sala de aula, uma vez que cada dia é diferente do anterior, cada turma é diferente de outra (…)” (p. 72) e ainda, considerando ser o conhecimento teórico advindo dos cursos de formação ponto de partida para atuação, “(...) a importância de reconhecer-se a formação do professor em seu sentido mais amplo, compreendendo toda a sua trajetória de vida e educacional.” (p.77)
Dito isto, com base na inferência dos conhecimentos veiculados pela citação de uma série de autores e seus trabalhos, pode-se dizer que a questão da formação de professores é, como sugere o título, complexa e deve extrapolar as discussões originadas exclusivamente nos cursos de formação profissional.
“(...) isso mostra que há dois tipos de formação na formação docente como um todo. Essa feliz separação entre formação profissional e formação docente foi operacionalizado por Tardif (2002), o qual mostra que a profissional é aquela que se processa por meio da inicial do aluno, no âmbito da universidade, e a formação docente é concretizada no exercício da profissão propriamente dita, isto é, durante o exercício/ prática docente.” (p.93-94)
De modo central a autora se questiona quanto ao saberes necessários à prática docente e seus locais de aquisição concluindo que a prática pedagógica desdobra-se em saberes científicos, saberes técnicos e saberes experienciais que vão sendo adquiridos de modo initerrupto ao longo da trajetória profissional, não se resumem aos cursos de formação inicial e estendem-se ao longo da vida.
Notas
1 (NÓVOA, 2000; TARDIF, 2002; GÓMEZ, 1992; CATANI et al., 1997; NUNES, 2001; ALMEIDA, 1998; SILVA, 1997; THERRIEN, 1995; LIBÂNEO, 2001; MONTEIRO, 2001; GÁRCIA, 1999; PIMENTA, 1998; VEIRA, 2002)
2Tais concepções foram construídas com base no conceito de Habitus elaborado por Pierre Bourdieu.
3“Neste sentido, cabe-nos a citação de Tardif (2002, p.54), o qual nos revela que “os saberes experienciais não são saberes como os demais, são, ao contrário, formados de todos os demais, mas retraduzidos, 'polidos' e submetidos às certezas construídas na prática e na experiência. (…) Desse modo, as experiencias vivenciadas no ambiente escolar são estruturantes para a formação, atuação e aprendizagem docente.” (p.26-27)
4Citando Nunes, sobre a potencialidade dos saberes profissionais do professor, diz que “Essa pluralidade de saberes que envolve os sabres da experiencia é tida como central na competência profissional e é oriunda do cotidiano e do meio vivenciado pelo professor” (2001, p.31 apud Silva p. 35)
5In livro Docência, Memória e Gênero: estudos sobre a formação. 1997 e no artigo “História, memória e autobiografia na pesquisa educacional e na formação.” 1997.

Um comentário:

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