terça-feira, 31 de julho de 2018

O Poder de transformar


A literatura amplia o repertório cultural e emocional, promovendo o desenvolvimento integral do aluno

Data: 27/07/2018
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A história começa com o diálogo entre uma agulha e um novelo de linha. Eles discutem sobre qual função tem mais valor no ato de costurar um vestido: a da agulha, que “fura o pano”, ou a da linha, que “prende um pedaço a outro”. Ao longo da narrativa, um duelo de argumentos entre os objetos é travado até que o vestido fica pronto e a realidade se impõe. Enquanto a agulha volta para a caixinha de costura, a linha “vai ao baile no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância”. Melancólico, um alfinete encerra a conversa com a triste lição: “Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico”.
Se, ao ler este resumo do conto “O Apólogo”, de Machado de Assis, você se identificou – mesmo que por um segundo – com a agulha, com o novelo de linha ou com o alfinete; ou ainda depreendeu da história aspectos da realidade e ponderou sobre eles, acaba de experimentar uma das facetas mais poderosas da literatura: a reflexão por meio de situações imaginárias. Uma característica que, sozinha, já tornaria a arte literária, de tecer um texto, essencial à formação integral dos alunos. Mas vai além. “A literatura proporciona também a ampliação do repertório cultural, fomentando um estudo sobre nossa identidade e de outros povos, promove autoconhecimento e até nos transforma em relação a conceitos, sensações e emoções que antes desconhecíamos”, avalia Renata Ribeiro de Moraes, doutora em Literatura Brasileira e assessora pedagógica da área de Treinamento e Desenvolvimento da Somos Educação.
“A literatura proporciona também a ampliação do repertório cultural, fomentando um estudo sobre nossa identidade e de outros povos.”
Renata Ribeiro de Moraes, doutora em Literatura Brasileira e assessora pedagógica da área de Treinamento e Desenvolvimento da Somos Educação
Por esse motivo, a especialista recomenda que o contato com essa forma de arte comece muito antes de os alunos entrarem na escola e siga com atenção especial nos primeiros anos de letramento. Um processo que se inicia em casa e continua na escola. “Não demanda muito esforço aproximar as crianças dos livros, já que elas amam as cores, desenhos e texturas deles. Mas é preciso incentivar o contato, estimular a curiosidade e os sentidos através da visão, tato, olfato e apresentar novas e surpreendentes possibilidades aos educandos”, complementa. Um universo quase ilimitado que depende, em grande medida, do desejo e do olhar atento do professor para ser explorado.

Ponto de partida

Para iniciar essa jornada, o docente deve investigar os interesses de seus alunos, propiciando a oralidade por meio das rodas de conversa, brincadeiras e situações do cotidiano. Os grandes temas do momento podem ser o gatilho necessário para introduzir, de acordo com a faixa etária, obras literárias que apresentem temáticas que envolvam o aluno em um clima de reflexão e observação da realidade. Abordar a biografia de autores é também outra maneira interessante de despertar a curiosidade dos alunos. “Falar sobre o autor da obra, sua biografia e sobre sua importância para a formação da nossa identidade cultural, por exemplo, são elementos extraliterários que interagem com o texto e geram pontos de conexão entre passado e presente”, considera a especialista. E é esse tipo de abordagem que torna a aprendizagem realmente significativa e atraente.
Mas, para tudo isso se concretizar, o professor precisa ser leitor e um apaixonado pela literatura. “Se o docente quer formar um leitor literário, ele precisa ter propriedade para falar sobre o tema e testemunhar sobre o que ele proporciona em sua vida. Nada é mais motivador que o exemplo, especialmente quando ele vem de uma referência tão importante na vida dos alunos como o professor”, garante Renata. Exemplos não faltam para confirmar o que diz a especialista. Afinal, quem nunca se apaixonou por uma disciplina depois de escutar, analisar e participar, encantado, da aula de um professor altamente motivado?
Lançar mão dos recursos que a tecnologia popularizou é outra forma eficaz de trazer a literatura à realidade dos alunos. “Existe uma infinidade de sites, plataformas, bibliotecas, e-books, vídeos, acervos e conteúdos audiovisuais para complementar a vivência em sala de aula. Os pais podem mediar essa experiência também e participar ativamente do processo de formação dos pequenos leitores”, garante.
“Se o docente quer formar um leitor literário, ele precisa ter propriedade para falar sobre o tema e testemunhar sobre o que ele proporciona em sua vida.”
Renata Ribeiro de Moraes, doutora em Literatura Brasileira e assessora pedagógica da área de Treinamento e Desenvolvimento da Somos Educação

Literatura como um direito

Antonio Candido, um dos principais críticos literários brasileiros (falecido em 2017), em um de seus textos mais aclamados, compara o direito à cidadania ao do acesso à literatura. Para o autor, “ela tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas”. Em outras palavras, possibilita ao aluno enxergar sua realidade de modo crítico, tornando-se protagonista de sua própria história. “Por isso mesmo, é um direito emancipador”, conclui Renata.

Literatura na prática

Confira algumas práticas que a especialista elenca para inserir, cada vez mais, a literatura ao cotidiano do aluno
  1. Elabore projetos de leituras na escola
  2. Faça uma sacola para colocar livros que os alunos possam levar para casa e, assim, estimular a leitura de outros membros da família
  3. Convide autores de obras literárias para participar de rodas de conversas com alunos
  4. Desenvolva momentos em que o aluno possa indicar a leitura de um livro para um colega
  5. Promova rodas literárias para indicações entre leitores
  6. Desenvolva trabalhos interdisciplinares analisando, sob diversos pontos de vista, obras literárias
  7. Incentive e realize contação de histórias e leituras mediadas
  8. Chame um dos seus avós, ou alguém da família para contar histórias
  9. Faça um sarau entre professores e alunos
  10. Reúna outros educandos da escola para apresentação de peças teatrais dos próprios alunos baseadas nos livros lidos
  11. Organize uma feira de livros
  12. Apresente a literatura em diversas linguagens: livros, filmes, peças teatrais, musicais, exposições e outros
  13. Trabalhe com o aluno diferentes versões e posicionamentos para uma mesma história, como Monteiro Lobato faz em “A Cigarra e a Formiga”, texto no qual o autor dá o devido valor ao trabalho do artista (cantor) ao se referir à cigarra. Vale a (re)leitura, professor. Literature-se!

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