quarta-feira, 9 de março de 2016

Artigo 13

13 - Artigo: A COMUNICAÇÃO DOS MAUS-TRATOS SEM PREJUÍZO DE OUTRAS PROVIDÊNCIAS LEGAIS
Carla Moretto Maccarini, Promotora de Justiça Crimes contra Criança e Adolescente Curitiba, 16 de maio de 2007.
Segundo o artigo 13, do ECA: "Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais."
Primeiramente devemos analisar o que podemos entender como maus-tratos cuja comunicação é obrigatória.
De modo geral, toda e qualquer ação ou omissão tendente a impedir ou dificultar o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social da criança e do adolescente em condição de liberdade e dignidade, pode ser entendida como maus-tratos. Isto se extrai da dicção dos artigos 3º e 5º, do ECA.
Toda e qualquer ação ou omissão que impeça ou dificulte o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente pode ser entendido, de modo geral como maus-tratos cuja necessidade da comunicação é obrigatória, extraindo-se disso que pode acontecer no âmbito familiar, escolar, hospitalar, ou em qualquer relacionamento entre criança e adolescente e maior de idade ou responsável civilmente.
Vale a dizer, nem sempre será verificado crime, porém a situação de risco vivenciada exigirá a pronta atuação do Conselho Tutelar e/ou do Poder Judiciário.
Os profissionais da saúde entendem que os maus-tratos podem ser: físicos, emocionais, abusos sexuais e intoxicações propositais.
1. Nos maus-tratos físicos, resultantes de um ato de força física; ação contundente; cortante ou calórica (através de martelos, fios, pedaços de pau, ferro, sola de chinelos ou sapato, garfos, facas, chicotes, cintas com ou sem fivelas, dentes, cigarros, ferros de passar roupa, água fervendo), será percebida a lesão ou o ferimento, a marca da ação (esbofetear, socar, chutar, derrubar, empurrar, esmagar, torcer, queimar, morder, etc...), resultando efeitos perceptíveis: escoriações, edemas, queimaduras, fraturas, hemorragias, etc.
2. Nos maus-tratos do tipo abuso sexual, que muitas vezes não deixa marcas visíveis ou vestígios, a percepção do profissional deve acontecer na observação do comportamento da criança e do adolescente que poderá exteriorizar que algo não está bem através de choro constante, irritação, nervosismo, insônia, tristeza, falta de apetite, introspecção e até auto-flagelo (auto-agressões), etc.
Nestes, cumpre seja dito que alguns sinais podem exigir maior observação e cuidado, como assaduras freqüentes na região genital, infecções urinárias sem motivo clínico aparente, vulvovaginities também sem explicação clínica, devendo exigir um olhar mais atento e acompanhamento freqüente para melhor esclarecimento. É claro que estes sinais isolados não significam maus-tratos nesta modalidade, porém devem ser averiguados para melhor conclusão.
Quando houver vestígios, serão perceptíveis lacerações, equimoses, edemas, rasgaduras, etc.
3. Os maus-tratos emocionais são percebidos através de ações e também de omissões, são os atos que muitas vezes revelam a instabilidade emocional do adulto ou seu despreparo para a educação e o cuidado de crianças e adolescentes: é o desprezo, a rejeição, a falta de atenção na ministração do alimento ou do medicamento necessário, na fala que agride e exige responsabilidades impossíveis para a idade do educando, levando ao sentimento de menos-valia, tristeza e até depressão, aterrorizando a criança e adolescente com medos e imposições de chantagens, etc.... que acaba por minar psicologicamente aquele que está sob os cuidados e influenciando todo o seu desenvolvimento psíquico, de caráter e de personalidade.
4. Os maus-tratos por intoxicação podem acontecer na alcoolização de crianças para que não mais causem trabalho e durmam, ou até na ministração de drogas cujo comércio é proibido e que causam dependência e inclusive no envenenamento por substâncias tóxicas ou drogas comercializadas, como os psicofármacos, simplesmente por intolerância do adulto ao choro, às manhas, aos clamores de fome ou das necessidades fisiológicas, o que pode ser o móvel dos maus-tratos emocionais e físicos também.
A primeira análise destes maus-tratos refere-se ao enfrentamento pela criança ou adolescente de situação de risco ao seu pleno desenvolvimento (art. 98, do ECA), que pode resultar a necessidade de aplicação de medida protetiva cujo elenco está no artigo 101, do ECA.
Devido à importância desta comunicação para que o Conselho Tutelar possa atuar no levantamento dos casos suspeitos e tratamento da família, tem-se que TODOS aqueles que tiverem conhecimento ou suspeita de maus-tratos cometidos, devem efetuar a comunicação.
Estamos tratando de um dever de cidadania e compromisso com a proteção integral em prioridade de nossas crianças e adolescentes, tal como estabelece o artigo 18, do ECA: "É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor."
Neste sentido, temos ainda o artigo 70, do ECA: "É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente."
Justamente para reforçar a necessidade desta comunicação, o legislador estabeleceu a infração administrativa para os médicos, professores ou responsáveis por estabelecimento de atenção a saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar caso de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança e adolescente, sancionando esta omissão com multa.
Estabeleceu o legislador estes profissionais como sujeitos ativos da comunicação obrigatória, porém devemos incluir neste entendimento os psicólogos, os enfermeiros, os dentistas, os farmacêuticos, os terapeutas ocupacionais, os fisioterapeutas, etc.... enfim todos os profissionais que possam estabelecer contato com as vítimas de maus-tratos no âmbito de seu trabalho.
É de todo salutar que esta obrigatória comunicação seja realizada, além do Conselho Tutelar, também ao Ministério Público, à Delegacia de Polícia (NUCRIA) e também ao Juiz de Direito da Infância e Juventude, ou seja, todas aquelas autoridades que possam intervir na ação para coibir permaneça a situação de maus-tratos.
Sabendo que maus-tratos significa grave lesão aos direitos de crianças e adolescentes, não deve ficar afastado da apreciação do Poder Judiciário, que decidirá para a aplicação da lei e restabelecimento dos direitos violados, seja na seara da Infância e Juventude, seja na seara Criminal, ou ambas deverão apreciar os acontecimentos, se for necessário.
Isto se deve em razão dos seguintes motivos:
A. O Ministério Público é incumbido da fiscalização da regularidade dos atos do Conselho Tutelar, além de atuar como órgão agente na propositura de medidas judiciais para a suspensão ou destituição do poder familiar, concessão de guarda, bem como da aplicação de medidas protetivas à vítima com reflexos em toda a família, artigo 201, do ECA.
Na área criminal, deve realizar a propositura da ação penal pública incondicionada e inclusive aquela condicionada à representação do ofendido, nos casos legais;
B. A autoridade judicial é competente para a apreciação e julgamento das situações de risco e aplicação das medidas protetivas, no âmbito da infância e juventude, bem como no julgamento das infrações penais, quer sejam aquelas de competência do Juizado especial Criminal, como aquelas de competência do juízo comum.
C. A autoridade policial é incumbida da investigação policial quando estes maus-tratos infringirem norma penal, que pode se configurar de diferentes formas, por exemplo:
01. no crime de abandono de incapaz (artigo 133, do CP "abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono" );
02. no crime de maus-tratos propriamente dito (artigo 136, do CP "expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina");
03. no crime de lesões corporais (artigo 129, do CP "ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem");
04. no crime de abandono material (artigo 244, do CP "deixar, sem justa causa, de prover à subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou valetudinário, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada: deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo");
05. no crime de abandono intelectual (artigo 246, do CP "deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar");
06. no crime de assédio sexual (artigo 216-A, do CP "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função");
07. no crime de tortura (artigo 1º, II, e também o §2º c/c o §4º, da Lei nº 9455/97 "submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo"; "aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evita-las ou apura-las, incorre na pena de detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos";
08. no crime do artigo 232, do ECA: "Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento";
09. no crime do artigo 244-A, do ECA: "submeter criança ou adolescente, como definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual".
O QUE SE DEVE OBSERVAR COM VISTAS A CONCLUIR NO SENTIDO DA SUSPEITA DE MAUS-TRATOS FÍSICOS, ressaltando a possível ocorrência de sinais característicos de problemas ou dificuldades de saúde, como certas doenças e síndromes existentes:
1. a presença visível de ferimentos ou lesões em várias partes do corpo;
2. a presença visível de ferimentos ou lesões em partes comumente cobertas do corpo;
3. a presença de ferimentos ou lesões em diferentes estágios da evolução da cicatrização (ex: hematomas de várias cores);
4. a presença de ferimentos ou lesões incompatíveis com a história contada ou o acidente dito acontecido;
5. a percepção de cicatrizes de ferimentos ou lesões anteriores, como se fossem freqüentes, quando a história conta provenientes de causa acidental;
6. quando o relato não explica de modo justificável o percebido retardamento na procura de auxílio de profissional da saúde para o tratamento do ferimento.(NOTA:1 Baseado no Manual de Prevenção de Acidentes e Violência, Luci Pfeiffer.)
ALGUMAS RECOMENDAÇÕES ÚTEIS À ATUAÇÃO PROFISSIONAL DAQUELES QUE DEVEM EFETUAR A COMUNICAÇÃO OU NOTIFICAÇÃO:
I. No atendimento médico, ante a constatação da suspeita, o ideal (se possível) é que haja a atuação de equipe multidisciplinar, como do profissional da medicina, da psicologia, do serviço social e da enfermagem, para que a apreciação seja conjunta e também para viabilizar eventual melhor futura comprovação dos acontecimentos, o que virá inclusive resguardar a atuação profissional de todos.
Isto vale também para a atuação dos profissionais da educação, que poderão submeter o caso suspeito à apreciação e análise do professor, do pedagogo, do orientador educacional, do psicólogo, do diretor da escola, etc...
II. Se possível, em casos onde a gravidade recomendar, realizar a internação da criança e do adolescente, suspeitas vítimas, para melhor abordagem do ambiente familiar ou da situação de maus-tratos, inclusive para que a suposta vítima seja retirada imediatamente da área de conflito, fazendo com que a atuação do serviço social da instituição comunique imediatamente o Conselho Tutelar para as providências seguintes de acompanhamento familiar e, se necessário representar ao Poder Judiciário a aplicação de medidas protetivas.
III. Se possível, realizar a melhor documentação da constatação, com diagramas, esboços, fotografias, radiografias, relatando pormenorizadamente, usando detalhes identificadores para facilitar lembrança futura, o que poderá ser necessário na eventualidade de comprovação judicial.
IV. Esta comunicação ou notificação ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público, à Autoridade Policial e ao Poder Judiciário, pode ser realizada preservando o sigilo da fonte, para que, na investigação prévia não haja a exposição indevida de profissionais.
V. Poder-se-ia estabelecer prazo para a realização de levantamento prévio pelo Conselho Tutelar e o retorno da informação conclusiva, após o recebimento da comunicação ou notificação, a fim de que o profissional notificante tenha acesso aos dados sobre a continuidade do atendimento ao caso, bem como se houve comprovação ou não das suspeitas.


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